Nós vamos entupir o rabo do Brasil de notícias!
Direção: Guilherme Fontes
Roteiro: Guilherme Fontes, João Emanuel Carneiro e Matthew Robbins, baseado no livro homônimo de Fernando Morais
Elenco: Marco Ricca, Andréa Beltrão, Paulo Betti, Leandra Leal, Eliane Giardini, Gabriel Braga Nunes, Letícia Sabatella, Zezé Polessa, Walmor Chagas, José Lewgoy
Brasil, 2015, Comédia, 102 minutos
Sinopse: O magnata das comunicações Assis Chateaubriand (Marco Ricca) é a estrela principal de um programa de TV chamado “O Julgamento do Século”, realizado bem no dia de sua morte. É nele que Chatô relembra fatos marcantes de sua vida, como os casamentos com Maria Eudóxia (Letícia Sabatella) e Lola (Leandra Leal), a paixão não-correspondida por Vivi Sampaio (Andréa Beltrão), como manipulava as notícias nos veículos de comunicação que comandava e a estreita e conturbada ligação com Getúlio Vargas (Paulo Betti), que teve início ainda antes dele se tornar presidente. (Adoro Cinema)
A novela dos bastidores todo mundo já conhece (caso não, eis aqui um resumo dela), mas o que ninguém esperava era que Chatô – O Rei do Brasil vencesse polêmicas e se revelasse uma obra surpreendente. O tempo não fez mal ao filme de Guilherme Fontes, cujo atraso no lançamento não empoeirou nem mesmo os rostos dos atores de 15 anos atrás. Aliás, é uma vitória ainda maior Chatô se mostrar inventivo até hoje, o que só comprova que, caso tivesse sido exibido na cronologia certa, essa produção teria sido um verdadeiro marco em termos criativos do nosso cinema. O cineasta Cacá Diegues já chegou a dizer que Fontes realizou o último filme tropicalista do Brasil, enquanto o crítico Luiz Carlos Merten definiu a experiência como Orson Welles sendo devorado por Macunaíma. Todas são comparações super coerentes e dizem muito sobre este filme que não merecia ter passado tanto tempo na geladeira – ou, nas palavras do próprio Fontes nos créditos finais, sendo censurado.
Ainda hoje faltam, no nosso cinema, filmes como Chatô. Ou seja, obras com sátiras afiadas, carnavalização certeira de situações e misturas transgressoras de comédia com cenários políticos e sociais. A produção cinematográfica brasileira se tornou praticamente estanque em termos de ousadia, além de acuada com a ideia de brincar com sistemas e figuras poderosas. Perceba: é bem provável que você sequer, por exemplo, consiga elencar em uma mão filmes sobre a política brasileira. A situação é pior ainda quando se trata de comédias, e Chatô vem com esse bem-vindo serviço de cutucar a caretice do cinema brasileiro ao transitar por política e jornalismo com uma fluidez invejável. Ajudam a dar o tom: a montagem propositalmente afetada, o histrionismo cômico e o elenco de braços abertos aos seus personagens (e ninguém teria se beneficiado mais com o lançamento de Chatô 15 anos atrás do que Marco Ricca, que está em um dos grandes momentos de sua carreira).
Guilherme Fontes surpreende como diretor ao fazer as parcerias certas para reconstituir época e fazer valer o investimento que cercou Chatô. Além disso, ele mostra bom tino para criação ao posicionar câmeras em lugares inusitados (e não de forma gratuita), encenando devaneios com destreza no humor e segurança na condução dos atores. É um grande feito conseguir com as hipérboles em direção e atuação não prejudiquem o filme, que conquista justamente por suas alegorias. O registro histórico, social e jornalístico do Brasil a partir das megalomanias de Assis Chateaubriand vem regado a várias críticas através do humor, o que, por outro lado, torna grande a decepção com o fato de Chatô não ser uma obra consistente em termos de conteúdo. O filme peca ao fazer com que o espectador leigo saia da sala de cinema sabendo pouco sobre seu protagonista e principalmente sobre quais foram as grandes manobras feitas por ele para se tornar uma poderosa figura do jornalismo.
A sensação de vazio proporcionada por Chatô ao nunca humanizar seu personagem é grande. Não que ele precisasse falar sobre passados traumáticos ou chorar copiosamente nos momentos derradeiros, mas o roteiro escrito por Fontes, João Emanuel Carneiro e Matthew Robbins o retrata como um homem asqueroso e descontrolado que administrava a vida pessoal e profissional de acordo com suas vontades sem considerar o próximo. Afinal, como alguém tão arrogante assim prosperaria justamente no universo da comunicação, que exige tanto bons relacionamentos e conexões? Não temos o outro lado da moeda Assis Chateaubriand, e isso prejudica Chatô na consistência de sua história. É um pecado que, caso a produção não tivesse tanta pegada, poderia destruir destruir a experiência, que já é um tanto atribulada por contemplar tantas tramas em uma curta duração. De qualquer forma, Marco Ricca diz que esta não é uma cinebiografia (isso eximiria Chatô de ter compromissos com o plausível?) – e, de certa forma, ele não deixa de ter razão porque, na realidade, Chatô não é um filme para se encaixar em definições fáceis, o que é um baita elogio!
Eu estava acompanhando a jornada de Fontes para o lançamento do filme. Eu não estava botando fé no lançamento e no filme como um todo, mas fiquei extremamente extasiado em saber que se trata de uma obra válida e interessante. Fez o dinheiro e toda aquela polêmica em cima do filme serem “justificadas”, digamos assim.
Enfim, estou doido pra conferir!
Alan, acho que ninguém botava fé que “Chatô” fosse um bom filme… E foi ótimo que ele tenha superado as expectativas!