Say it! Say it! Say you’re scared!
Direção: Ron Howard
Roteiro: Charles Leavitt, baseado em história de Amanda Silver, Charles Leavitt e Rick Jaffa, e no livro “In the Heart of the Sea: The Tragedy of the Whaleship Essex”, de Nathaniel Philbrick
Elenco: Chris Hemsworth, Ben Whishaw, Cillian Murphy, Tom Holland, Brendan Gleeson, Charlotte Riley, Frank Dillane, Paul Anderson, Benjamin Walker, Michelle Fairley, Joseph Mawle, Jordi Mollà
In the Heart of the Sea, EUA, 2015, Aventura/Drama, 121 minutos
Sinopse: Inverno de 1820. O navio baleeiro Essex é atacado por uma baleia gigante e feroz, deixando toda a tripulação desesperada para encontrar uma forma de escapar da morte. (Adoro Cinema)
Ron Howard nunca foi um diretor particularmente criativo. Inclusive, a maior consagração de sua carreira (Oscar de melhor filme e direção por Uma Mente Brilhante) veio por um filme que, por melhor que seja, segue um estilo para lá de tradicional. Entretanto, considerando os filmes mais recentes de sua carreira que seguem essa linha (e temos exemplares realmente excelentes como Frost/Nixon e Rush – No Limite da Emoção), é difícil encontrar algum que seja executado de maneira tão clássica quanto No Coração do Mar, um longa guardado a sete chaves: além de ter sua estreia adiada de março deste ano para dezembro (com o objetivo de preservá-lo para a temporada de premiações), o filme ainda foi exibido em sessões para a imprensa com embargos, o que significa que jornalistas não poderiam publicar qualquer comentário até uma data estipulada (no caso, hoje, 2 de dezembro, um dia antes da estreia mundial). Passado o suspense, o que se constata é que No Coração do Mar é um dos filmes mais ambiciosos do ponto de vista técnico da carreira de Ron Howard, mas o que conta mesmo na avaliação é decidir até que ponto a narrativa assumidamente tradicional pesa como um ponto a favor ou contra o resultado.
Marcando a segunda parceria entre Ron Howard e o galã Chris Hemsworth (o primeiro encontro da dupla foi em Rush), No Coração do Mar narra a história que inspirou o clássico da literatura Moby Dick usando as ferramentas mais simples possíveis, como o fato da trama ser contada sob o ponto de vista do novato da tripulação e da narração ficar a cargo justamente desse mesmo personagem agora envelhecido e ainda atormentado pelo passado. A condução da personalidade dos personagens também segue criações já conhecidas, onde o protagonista íntegro é colocado de escanteio por suas origens humildes, enquanto o antagonista rico, esnobe e de bom sobrenome rouba o cargo tão sonhado e, que por méritos, deveria ser de nosso herói. É tarefa das mais fáceis deduzir como se dará essa relação entre os dois e, principalmente, as consequências que ela trará para toda a equipe de tripulantes. Para colocar um pouco mais de drama na mistura, a história também coloca em cena a esposa grávida que espera pelo marido ao mesmo tempo em que reivindica o fato de ele ter um emprego perigoso que lhe deixa tão longe da família. Dessa forma, em termos narrativos, faltam novidades em No Coração do Mar, que, por outro lado, deve justamente acertar em cheio quem busca aventuras clássicas como essa – e conduzidas como tal.
Falar sobre a qualidade de efeitos visuais de um longa como No Coração do Mar já é repetição nos dias de hoje, o que significa que o filme de Ron Howard não desaponta nas cenas em alto-mar. A tecnologia joga a favor do filme, que tem seus melhores momentos quando a tripulação precisa enfrentar a lendária e imbatível baleia que aterroriza os mares. A aparição do animal é o que existe de melhor na trama em termos técnicos e também como exercício de tensão, já que o diretor consegue colocar o espectador dentro daquele barco como se também temêssemos a gigantesca baleia (e o sentimento pode ser pior ainda se você, assim como eu, tiver fobia de barcos em situações de risco como a vivida pelos personagens). A estruturação desses momentos compensa o problema de No Coração do Mar não saber lidar muito bem com seus personagens. Excetuando o Owen Chase de Hemsworth, o Thomas Nickerson do jovem Tom Holland e o capitão George Pollard de Benjamin Walker, é difícil memorizar, por nome, personalidade ou atributos do roteiro, qualquer outro dos tripulantes da jornada.
A situação do jeito clássico de No Coração do Mar incomodar mais do que ajudar se torna um tanto mais complicada quando o filme chega à metade e se torna um mero relato de sobrevivência em alto-mar. Não sei se é porque ainda não me recuperei do tédio causado por Angelina Jolie recentemente em Invencível, mas realmente faltou emoção na dura missão dos personagens tentando sobreviver a todos os tipos de adversidades em uma viagem de longos meses. Racionamento de água e comida e sofrimentos físicos já vimos aos montes, e o roteiro de Charles Leavitt (que tem como seu trabalho mais expressivo o bom Diamante de Sangue) segue toda cartilha envolvendo situações como essa vividas no limite. Novamente, vale ressaltar que é mesmo uma questão de gosto se entusiasmar ou não com No Coração do Mar, um longa que ao menos tem a dignidade de assumir que, sim, seu formato tradicional de aventura sempre foi a primeira escolha. O resultado dessa aposta certamente será refletido com altas cifras nas bilheterias – e, para um projeto que, independente de nosso julgamento, oficializa sua personalidade sem medo, essa é uma conquista das mais merecidas.