Cássia Eller

Eu nunca conheci ninguém como a Cássia. Ela era diferente. Ela era melhor.

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Direção: Paulo Henrique Fontenelle

Roteiro: Paulo Henrique Fontenelle

Brasil, 2015, Documentário, 115 minutos

Sinopse: O documentário Cássia retrata o ícone do cenário musical brasileiro nos anos 90. Em sua breve trajetória, Cássia Eller deixou uma marca inegável na cultura do país. Além da projeção musical, sua história pessoal expos tabus e ganhou repercussão nacional após sua morte, quando a guarda de seu filho “Chicão” ficou com sua companheira Maria Eugênia. O filme descreve através dos depoimentos de amigos como Zélia Duncan, Nando Reis e de Maria Eugênia toda a sua trajetória desde o inicio da carreira; além de narrar a personalidade paradoxal de Cássia, contrastando sua timidez e delicadeza com a irreverência e personalidade nos palcos.

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Cássia Eller era um verdadeiro furacão nos palcos. Das performances explosivas à voz inconfundível, mostrou os seios diversas vezes, desafiou o público careta e abriu para todos a sua orientação sexual sem qualquer hesitação. Não era exclusivamente tanta “força”, entretanto, que a tornava única. O mais fascinante sobre Cássia era a sua capacidade de conseguir ser tudo isso e o oposto. Quando engravidou, abandonou as roupas rebuscadas para usar delicados vestidos. Se em determinada época não ligava para a opinião de quem dizia que ela gritava ao invés de cantar, logo mudou a diretriz da carreira quando ouviu a mesma avaliação do próprio filho, que revelou preferir Marisa Monte na época. Tinha opiniões fortes, mas era tímida e insegura frente à imprensa. Cantava Nirvana no Rock in Rio com uma fúria que impressionou David Grohl ao mesmo tempo que interpretava repertórios de Renato Russo e Édith Piaf. Cássia Eller era furacão e calmaria. Por isso, sintetizar em um único filme todo o seu espírito de conciliação era uma tarefa das mais difíceis. Felizmente, o documentário Cássia Eller, dirigido por Paulo Henrique Fontenelle, cumpre a missão com o mesmo intenso talento da cantora que retrata.

Uma das discussões mais clássicas é se a forma importa mais que o conteúdo. Cássia Eller está no lado do conteúdo, já que Fontenelle optou por realizar um documentário em uma forma clássica: depoimentos com pessoas sentadas frente a uma câmera, fotos, recortes de jornais e eventualmente trechos de consagradas apresentações musicais. E sabem o que é o mais interessante? O filme está longe de parecer um documentário quadrado tamanha a singularidade que Cássia Eller alcançou como pessoa e artista. Uma produção como essa nunca soaria tradicional tendo uma personagem tão complexa, rica e subversiva. E é exatamente isso o que acontece, mesmo que Cássia Eller tenha uma linearidade super óbvia que começa  nos dias de anonimato da cantora e segue até a sua morte prematura, estendendo-se ainda à batalha judicial que concedeu a guarda de seu filho Chicão à companheira Maria Eugênia – e esse é um dos pontos altos do documentário não só pela força emocional envolvendo a recém falecida cantora mas pela vitória que significou para a classe LGBT.

O passo a passo temporal quase não é percebido aqui, pois acompanhamos a vida de uma mulher que nunca cansava de (se) surpreender. Musicalmente falando, Cássia Eller só cresceu a cada ano e um de seus momentos mais marcantes nos palcos é amplamente registrado aqui: a gravação do Acústico MTV, onde, abandonando quase por completo a Cássia “furiosa” que todos conheciam, apresentou músicas e novas versões de seu repertório que chegavam a se aproximar da melancolia. Durante toda a vida, a cantora foi celebrada como unanimidade, e Fontenelle faz com que até o espectador mais leigo consiga sair de Cássia também admirando a artista. Inclusive, mesmo para quem tem um pouco de noção da vida da personagem-título irá se surpreender com alguns fatos apresentados, como o que desconstrói a ideia de que Cássia Eller teria morrido em função de uma overdose (ela já vinha sofrendo crises de pânico que culminaram em um infarto do miocárdio, conforme laudo do IML que foi distorcido pela imprensa). 

Contemplando o imenso ecleticismo da carreira da cantora, Cássia Eller nos faz lembrar de sucessos como MalandragemPor EnquantoRelicárioO Segundo Sol, e é impossível sair do filme sem querer ouvir novamente toda a discografia dela, que ainda hoje é lembrada por unificar os fãs dos mais variados gêneros. Poucos conseguem fazer música de qualidade para todos e o documentário de Fontenelle, além de completo e delicado ao passear pela vida da cantora, acerta na sua lição de casa ao explorar a contribuição musical da carioca que até os dias de hoje é considerada referência. Respeitoso, Cássia Eller nos leva ao íntimo de sua personagem com depoimentos de amigos e admiradores e também com um vasto material pessoal (as fotos, muito íntimas, são de uma beleza única, assim como as cartas lidas por Malu Mader). É ainda digno ao não se aproveitar das polêmicas envolvendo Cássia Eller, não se propondo a julgar qualquer uma de suas atitudes. Um belo tributo que todo artista relevante para qualquer arte deveria receber.

3 comentários em “Cássia Eller

  1. Lou, assim que acabou o filme fui correndo ouvir o acústico MTV dela!

    Kamila, é emocionante mesmo! Uma homenagem à altura do que “Cássia” significou.

  2. Filme maravilhoso, emocionante e muito coerente. O que eu mais gostei foi que o documentário foi além da cantora Cássia Eller, nos mostrando as suas outras personas como filha, esposa, mãe, colega de trabalho, amiga, parceira. Um filme que nos aproxima de quem ela verdadeiramente era e de todo o seu pioneirismo.

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