Na coleção… Orações Para Bobby

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Quando esteve com seu filho caçula pela última vez, Mary Griffith (Sigourney Weaver) foi enfática ao confrontá-lo e se despedir dizendo: “Eu não vou ter um filho gay”. Esse era, até então, o auge dramático de uma família que presenciava, sem exageros, um verdadeiro embate entre mãe e filho. De um lado, Bobby (Ryan Kelley), o garoto perfeito que, ao se assumir gay, pela primeira vez trazia um “problema” para dentro de casa. De outro, Mary, a católica fervorosa que acreditava que poderia curá-lo com terapias e o poder da Bíblia. Bobby seguiu em frente: se mudou para Portland com a prima, conquistou um emprego e até arranjou um namorado. Já Mary permaneceu altiva até o último momento com o filho, quando o descreditou como sangue de seu sangue em função da homossexualidade. O jovem nunca superou o desafeto materno e, após ser traído pelo namorado (mais um golpe do destino em uma sucessão de rejeições), entrou em uma derrocada emocional que, permeada pelas lembranças de uma mãe incompreensiva e preconceituosa, culminou em seu suicídio.

É com toda essa angústia de um conturbado relacionamento familiar que o telefilme Orações Para Bobby, exibido pela primeira vez em janeiro de 2009 pelo canal Lifetime, norteia a primeira parte de sua história. Já a partir do suicídio do protagonista, o longa dirigido pelo diretor australiano assumidamente gay Russell Mulcahy transfere o drama para outro ponto de vista: o da mãe que, devastada pela perda do filho, passa a encontrar, nos diários de Bobby, as respostas que nunca quis ouvir enquanto ele ainda era vivo. E as conclusões que vêm a partir dessas descobertas não a confortam. Ora, Mary percebe – e admite – que o suicídio de Bobby foi consequência direta da ignorância dela e de sua família sobre o universo gay. Inclusive, a matriarca discursou sobre sua culpa diante do congresso estadunidense em 1995, quando passou a ser uma ativista das causas gays. A bonita mas devastadora jornada de transformação de uma mãe que precisou de uma tragédia fatal para poder compreender e aceitar o próprio filho é o que constrói a força dramática de Orações Para Bobby, um telefilme que pode não ser propriamente uma grande produção, mas que, com sua realidade repleta de impacto, alcança um nível único de emoção.

Para apreciar o filme da maneira correta, é bom saber que ele foi encomendado pela Lifetime, o que nos leva a duas questões. Primeiro: Orações Para Bobby segue um estilo televisivo bastante clássico, com blocos facilmente identificáveis (com direito a fade outs em suas transições) e uma duração enxuta de 90 minutos para se adequar à grade de programação da emissora. Segundo: a obra é pensada para atender ao público-alvo do canal, basicamente formado por mulheres e donas de casa dos Estados Unidos que preferem acompanhar histórias mais acessíveis em sua forma. Assim, com todas essas circunstâncias, não espere ver um filme bem elaborado ou repleto de escolhas, digamos, inteligentes. Orações Para Bobby, reiterando, não é superlativo se analisado friamente. O que acontece é que é simplesmente impossível ficar indiferente à força dramática do filme. A história é tão humana e transformadora que pode tocar até Marcos Feliciano ou Jair Bolsonaro – mesmo que eles, claro, não venham a admitir.

Baseado no livro Prayers for Bobby – A Mother’s Coming to Terms With the Suicide of Her Gay Son, de Leroy Aarons, o telefilme de Mulcahy, além do belíssimo serviço que faz em prol da causa gay (e o mais importante: sem sequer ser mera panfletagem), traz uma chance de ouro para Sigourney Weaver, uma atriz que, nos últimos anos, só amargurou papeis que em nada se aproximam da altura de seu talento. Pois Orações Para Bobby chega lá e entrega à atriz um dos papeis mais intensos de sua carreira. Weaver incomoda como a mãe religiosa (mas em momento algum a vilaniza) e momentos depois emociona como o ser humano arrependido em busca de alguma redenção frente ao evento trágico causado por ela. O jovem Ryan Kelley não fica atrás e torna Bobby uma das figuras mais críveis, transmitindo todas as dúvidas e angústias de um adolescente em descoberta que não tinha a quem recorrer em tempos que a AIDS começava a se espalhar e que Harvey Milk era assassinado por levantar a bandeira gay.

Mais de duas décadas se passaram desde que Bobby se suicidou e, mesmo depois de tanto tempo, Orações Para Bobby se revela um filme incrivelmente atual. Necessário, melhor dizendo, visto que, ao invés de evoluirmos como sociedade no que se refere aos direitos humanos, temos encontrado cada vez mais combatentes ao livre arbítrio das identidades sexuais. Quando Fernanda Montenegro e Nathália Timberg, duas damas da dramaturgia com mais de 80 anos, chegam ao horário nobre da TV brasileira interpretando lésbicas com a maior naturalidade do mundo, é no mínimo estranho constatar que ainda exista tanta rejeição a qualquer forma de amor. E o longa protagonizado por Weaver é um belo lembrete de como a intolerância é frequentemente uma consequência da ignorância. Por acompanhar essa jornada de compreensão com tanta humanidade, Orações Para Bobby se torna um filme especial. Mostrando com delicadeza o íntimo de um jovem homossexual incompreendido e com verossimilhança a total evolução de uma mãe que por sua própria definição já deveria amar o filho por o que quer ele fosse, esta se torna uma experiência das mais humanas e necessárias. Uma obra que certamente deveria passar toda semana na TV para tornar o mundo um lugar melhor.

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