Deus é o homem que morreu.
Direção: Eduardo Coutinho
Roteiro: Eduardo Coutinho
Elenco: Documentário
Brasil, 2015, Documentário, 85 minutos
Sinopse: O cineasta Eduardo Coutinho entrevista diversos estudantes do ensino médio público no Rio de Janeiro, perguntando sobre a suas vidas atuais e expectativas para o futuro.
Sem saber, perto do fim, Eduardo Coutinho dedicava seus últimos dias como cineasta a se debruçar sobre o início da vida. Não apenas porque Últimas Conversas, o último trabalho que dirigiu antes de ser assassinado pelo próprio filho no início de 2014, faz uma leitura da juventude atual, mas porque em diversos momentos de sua obra derradeira o diretor expressa o grande desejo de realizar um documentário com crianças – que, segundo ele, são fascinantes pela falta de censura e julgamentos. Se a adolescência é um período da vida de muitas descobertas, mas também de infinita insegurança, Coutinho, que aqui abre o filme frente às câmeras como um personagem, revela uma faceta tão vulnerável quanto a das figuras que entrevista: durante as gravações, diz não estar encontrando um filme em que acredita. Para ele, Últimas Conversas só deveria ser finalizado em função de um contrato com o governo do Rio de Janeiro. O diretor veio a falecer antes de realizar a montagem, e o documentário, que recebeu os últimos retoques pelas mãos de seus discípulos Jordana Berg e João Moreira Salles, encanta – com bastante pesar – pela decisão da dupla de colocar Coutinho como uma figura decisiva para a costura do documentário.
Nunca saberemos se este era o Últimas Conversas que o cineasta gostaria de ver, mas não há dúvidas de que é a versão de que nós espectadores precisávamos ver. O talento habitual de Coutinho de transformar entrevistas em conversas absurdamente naturais está todo ali, mas a escolha da montadora Jordana Berg de utilizar o máximo que podia das visões do diretor atrás das câmeras para complementar o que é dito pelos entrevistados é o ponto alto do resultado. Logo de cara, há quem possa estranhar o fato de Últimas Conversas ser possivelmente o longa que mais reproduza na tela as intervenções (e por que não segredos?) de Coutinho como o entrevistador brilhante que era. Só que é justamente a presença dele que faz do documentário uma experiência rica, conseguindo até mesmo desviar a sensação da repetição, visto que aqui o diretor se apoia novamente na mesma estrutura de Jogo de Cena e As Canções: apenas uma cadeira para o entrevistado sentar e contar sua história. Por meio das indagações, curiosidades e até mesmo discussões de Coutinho, Últimas Conversas cresce e se torna muito mais do que apenas os relatos de uma geração que, como o próprio diretor constata, é cercada de pessimismo apesar das razões para ver apenas sonhos e possibilidades à frente.
Mais enxuto que o habitual (a duração não chega a 90 minutos), o projeto traz um desafio a Coutinho: a de conversar com uma geração que normalmente já olha para os mais velhos com julgamentos e que não é necessariamente desenvolta e fácil de entrevistar. Entretanto, é tal contraste – o de um senhor de 80 anos que não sabe lidar direito com jovens que ainda não chegaram nem aos 20 – que torna a dinâmica de Últimas Conversas tão interessante. Não se engane, por outro lado, ao achar que, por ser um filme centrado em adolescentes que as conversas se limitarão a assuntos rasos ou meramente divertidos como o das diferenças entre “ficar” e “namorar”. Aliás, há uma passagem de grande força dramática: aquela em que uma garota, reivindicado o amor que nunca teve de sua mãe, explica como quer ser uma pessoa completamente diferente da figura que a criou e ainda assim estar ao lado dela incondicionalmente. São toques pra lá de especiais que só poderiam vir de alguém como Coutinho. Últimas Conversas também acaba, de certa forma, sendo sobre ele próprio e sobre como sua presença, sempre insubstituível, nos lembra de que, assim como os adolescentes que entrevistou, ainda tinha muito o que a realizar pela frente. A saudade permanece. Até o fim.
Republicou isso em Blog do Rogerinho.