É provável que O Leitor tenha a sua parcela de “contribuição” na mudança de cinco para dez indicados na categoria de melhor filme do Oscar. Na disputa de 2009, era esperado que filmes como Batman – O Cavaleiro das Trevas e WALL-E conseguissem uma indicação na corrida pelo prêmio principal. Aparentemente a disputa tinha uma vaga em aberto, que acabou ficando justamente como este terceiro filme do diretor britânico Stephen Daldry. Os detratores criticaram a produção em peso, alegando que a lembrança veio unica e exclusivamente em função de O Leitor ser sobre o Holocausto. Eles não deixam de ter razão, especialmente porque a adaptação do livro homônimo de Bernhard Schlink é bastante acadêmica, mas existem sim outros assuntos complexos e interessantes discutidos no roteiro adaptado por David Hare.
Ainda que o tempo não tenha sido muito generoso com O Leitor (hoje parece um longa muito mais antigo do que realmente é), vários aspectos positivos se preservam de forma intacta, como a unânime primeira parte da narrativa, onde acompanhamos toda a construção do relacionamento entre o jovem tímido e virgem Michael Berg (o iniciante David Kross, que dá conta do recado) e a reservada e quase bruta mulher mais velha Hanna Schmitz (Kate Winslet, vencedora do Oscar de melhor atriz por seu desempenho aqui). Com delicadeza, Daldry constrói a relação dos protagonistas com um envolvimento singular, nunca deixando que a diferença de idade e experiência entre o casal se torne um empecilho para a verossimilhança dele. Por mais que seja fácil sentir que existe algum mistério ou algo ali que de fato não está encaixando, é fácil torcer pelos dois, em especial porque ele, maravilhado, começa a desbravar um mundo até então desconhecido e ela passa a adquirir uma sensibilidade que não lhe parecia possível justamente com a pessoa mais inesperada: um mero garoto inexperiente de 15 anos.
A mesma força não é preservada pelo filme a partir de sua metade, quando a trama revela um importante segredo sobre Hanna Schmitz que muda o tom da narrativa por completo. A discussão proposta é muito interessante, mas aí O Leitor se torna gélido, preocupando-se muito mais em discutir a culpa e o horror do nazismo em um longo arco ambientado em um tribunal do que se aprofundar no turbilhão de emoções que tomam conta do jovem Michael Berg ao literalmente testemunhar a desconstrução do ícone afetivo e sexual chamado Hanna Schmitz. Ao optar por longas cenas nos tribunais – que obviamente cumprem a missão de entregar ótimos momentos para Winslet (a sequência em que ela discute a autenticidade da escritura de um relatório é de cortar o coração) -, Daldry descamba para as formalidades. Inclusive o diretor não resiste a colocar o protagonista visitando antigos campos de concentração para complementar a discussão sobre o Holocausto.
Quando retoma a relação dos dois protagonistas e volta a compreender que o retrato de toda uma geração traumatizada pelo nazismo está mais simbolizada nos conflitos internos do próprio Michael Berg e nas razões de Hanna Schmitz do que no desenvolvimento linear de um julgamento, O Leitor retoma parte de sua força emocional. Contudo, outro filme já se formou e, por mais que Daldry tente imprimir emoção ao resultado, a abordagem já se tornou racional demais – e a boa mas excessiva trilha de Nico Muhly só incentiva essa percepção de que O Leitor tenta mas não consegue ser mais acalantador. Winslet e Kross – ele posteriormente substituído em sua versão adulta pela discrição habitual de Ralph Fiennes – seguem eficientes e plenamente convincentes até o final enquanto o roteiro de Hare também traz vislumbres de momentos preciosos (a conversa com a personagem de Lena Olin é um dos pontos altos da história), mas o tom acadêmico parece sufocar demais uma história que merecia – e deveria – ter uma perspectiva muito mais humana.
Minha grande birra com “O Leitor” vem do fato de que o Oscar da Kate Winslet veio por uma category fraud. Claramente, neste filme, ela é coadjuvante. No mais, gosto muito da obra dirigida por Stephen Daldry, especialmente na forma como ele conduz o relacionamento entre Hanna e Michael.
Kamila, não sei nem se me incomodo tanto com o Oscar da Kate pela fraude, mas pelo conjunto de indicações dela mesmo… Ela já entregou atuações tão mais marcantes em personagens tão diferentes que é meio revoltante ela ter vencido por um filme tão acadêmico!