Na TV… o peso da amargura em “Olive Kitteridge”

Em Olive Kitteridge, Frances McDormand e Richard Jenkins são complementos perfeitos para personagens extremamente distintos

Em Olive Kitteridge, Frances McDormand e Richard Jenkins são complementos perfeitos para personagens extremamente distintos

Deve ser pesado estar na pele de Olive Kitteridge (Frances McDormand). Rígida professora de matemática e pessoa muito distante da imagem que temos de uma mãe, a personagem-título desta nova minissérie da HBO dirigida por Lisa Cholodenko (Minhas Mães e Meu Pai) não parece sentir felicidade em qualquer momento da vida. Nem o sensível marido ou um simples desconhecido que a abraça despertam em Kitteridge alguma sensibilidade. Quase antipática, ela pesa o ambiente com ácidas observações e uma visão pessimista do mundo. Tal abordagem seria um tremendo obstáculo para uma minissérie envolver o espectador. Só que, com uma protagonista muito bem justificada e uma Frances McDormand inspiradíssima, Olive Kitteridge acaba, de fato, fazendo jus a seu slogan de que nenhuma vida é simples.

Baseada no romance homônimo escrito por Elizabeth Strout em 2008 (vencedor do Pulitzer no ano seguinte), a minissérie dirigida por Cholodenko começa de forma interessante, mostrando a protagonista já envelhecida, com uma arma em punho e prestes a se matar. Eis que, na sequência, retrocedemos e vemos uma Olive muito mais jovem, casada com um farmacêutico e mãe de um garoto que estuda na mesma escola onde leciona. A partir daí, são mostrados os 25 anos seguintes, a partir de um olhar bastante cotidiano da vida de uma mulher que, por diversas razões, não dá qualquer indício de ver prazer na vida. Só que PharmacyIncoming Tide, os dois primeiros episódios, são bastante estranhos porque cometem o erro de deixar Olive quase de escanteio para se focar em outros personagens que, sim, são interessantes, mas não a ponto de se igualarem à protagonista em termos de envolvimento e complexidade.

Neste tempo que Olive está quase como uma coadjuvante na trama, quem ganha pontos, obviamente, é o maravilhoso Richard Jenkins, um ator perfeito para papeis de homens comuns como o retratado aqui. Compreendendo por completo a linha tênue entre a bondade e a ingenuidade que existe em seu Henry, Jenkins segura, com sua habitual competência, os dois primeiros episódios, mesmo que sempre fique um tanto nebuloso (e não no bom sentido) o verdadeiro rumo da história. Já a partir da terceira parte, A Different Road, Olive Kitteridge entrega por completo o protagonismo a quem de fato pertence a minissérie e  se transforma por completo, dando as devidas chances para Frances McDormand e analisando minuciosamente como uma vida inteira de amargura pode, no final, se sobrepor impiedosamente nos ombros de alguém que preferiu viver com tal pessimismo.

Como a protagonista Olive Kitteridge, Frances McDormand tem a melhor chance de sua carreira em anos

Como a protagonista Olive Kitteridge, Frances McDormand tem a melhor chance de sua carreira em anos

Escrito por Jane Anderson, o roteiro de Olive Kitteridge, em suas duas partes finais, é certeiro ao explorar as consequências de uma vida vista e vivida com infelicidade. É certo que a protagonista nem sempre agia conscientemente (e o belo momento em que ela diz que não batia no filho deliberadamente só prova como a sua quase falta de emoções tem um longo histórico que desconhecemos e que a minissérie não precisa explicar), mas muitas das escolhas feitas com ciência por Kitteridge foram decisivas para o dia a dia solitário e sufocante que a protagonista passa a viver – e perceber – quando a história se encaminha para os seus momentos finais. No fundo, Olive é uma mulher de pensamentos desprovidos de maiores julgamentos (quando testada sobre a hipotética situação de seu filho ser gay, ela é categórica ao dizer que o amaria independente de qualquer coisa), mas criou uma carcaça tão dura e oposta ao marido gentil que nunca mais conseguiu se despir dela.

Os anos passam e Olive começa a pagar o preço por ter encarado a vida desta maneira. E é a partir desta fase, quando acompanha a protagonista já com cabelos brancos e tendo que se confrontar com ela própria, que Olive Kitteridge entrega momentos realmente preciosos. Não é só porque o roteiro de Anderson prefere não julgar o gênio difícil da personagem-título que o resultado impressiona, mas também porque não faz questão de facilitá-la para o espectador. A grande jogada, na realidade, é descobrir as sutis camadas que justificam todo e qualquer comportamento dessa figura que, se estivesse em nossas vidas, certamente nos empurraria para a total aversão. Nesta mesma sintonia está a fantástica performance de Frances McDormand, que há anos não tinha uma chance dramática como esta. Assim como a Jasmine de Cate Blanchett em Blue Jasmine ou a Violet de Meryl Streep em Álbum de Família, a difícil protagonista não é obstáculo para a atriz, que, assim como suas colegas mencionadas, é perfeita ao superar a antipatia de Olive e realmente impressionar o espectador.

Exibida no início de novembro em duas noites na HBO estadunidense, Olive Kitteridge ainda traz Bill Murray em uma participação que, apesar de ter um peso muito simbólico para os rumos da protagonista, é responsável por amortecer a visão frequentemente pessimista adotada por Anderson e Cholodenko. Não costumo ser muito fã desta escolha narrativa que, nos 45 do segundo tempo, resolve dar uma guinada na personagem – nem que seja de forma mais contida, como é o caso aqui – para de certa forma mostrar uma luz no fim do túnel antes dos créditos finais. Ainda assim, esta não é uma escolha que abala Olive Kitteridge, uma minissérie que começa estranha mas aos poucos se encontra – em especial no fascinante estudo de personagem e na atuação de McDormand, que já pode reservar um belo espaço em sua estante para os inúmeros prêmios que vai ganhar merecidamente na próxima temporada de premiações.

3 comentários em “Na TV… o peso da amargura em “Olive Kitteridge”

  1. Uma pena que eu não tenho mais HBO para poder acompanhar “Olive Kitteridge”. Vi seus comentários no twitter e a primeira boa impressão sobre o programa foi reforçada, agora, em seu texto. Aposto que marcará presença nas próximas premiações.

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