38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo #3: “Livre” e “Acima das Nuvens”

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Livre, de Jean-Marc Vallée

Desde quando o trailer foi lançado já era possível deduzir que Livre seria uma versão 2.0 (no sentido negativo) do inspirador Na Natureza Selvagem. A impressão se confirma mesmo com o filme, que, apesar de comandado por um competente diretor, nunca chega a ter reflexões tão interessantes quanto as da história contada por Sean Penn em 2007. Serve mais, no final das contas, para reposicionar Reese Witherspoon como uma atriz a ser apreciada além de suas comédias românticas – o que só aconteceu anos atrás com Johnny & June, que, inclusive, chegou a lhe render um injusto Oscar de melhor atriz. E, mesmo assim, nada de tão espetacular ou muito desafiador a ponto de Reese já ser cotada para novas estatuetas.

Não que Livre seja um filme desinteressante, mas sempre tem um sabor requentado em praticamente todas as instâncias. O que existe de diferente neste novo trabalho do canadense Jean-Marc Vallée é o fato de ele ser protagonizado por uma mulher – algo que, inclusive, é acertadamente explorado pelo roteiro de Nick Hornby, baseado no livro homônimo da própria protagonista Cheryl Strayed, que sempre coloca no caminho da aventureira pessoas que duvidam de sua capacidade de cair sozinha na estrada ou que questionam o fato de ela andar por tantas cidades sem um homem ao seu lado. É uma reflexão sempre pertinente sobre a igualdade de todo e qualquer ser humano que o filme pontua de forma eficiente.

Cheryl (Witherspoon) já começa Livre em uma paisagem inóspita e, ao longo de sua jornada, vamos conhecendo, por meio de flashbacks, as razões para ela ter colocado uma gigantesca mochila nas costas e saído a pé sozinha para percorrer centenas de quilômetros. Curiosamente, porém, é no passado da protagonista que se concentram os melhores momentos do filme de Vallée. Se a princípio a escolha parece quase manjada, aos poucos se revela um grande acerto, já que a parte de sobrevivência de Livre está sempre no lugar-comum. Enquanto em Na Natureza Selvagem Christopher McCandless (Emile Hirsch) encontrava pessoas fundamentais para sua mudança ao longo de sua jornada, em Livre  os dias da protagonista na estrada são completamente lineares e sem grande consistência dramática.

Não só Reese Witherspoon tem mais desafios como o próprio filme envolve mais o espectador nas partes encenadas no passado. O casamento repleto de traições, o envolvimento com as drogas e  a relação com a mãe (Laura Dern, aproveitando cada minuto), além de, claro, serem fundamentais para explicar a atual situação de Cheryl, se sustentam perfeitamente bem sozinhos. Mas o que falta mesmo em Livre é alguma inovação – o que deve ser resultado da carreira corrida que Jean-Marc Vallée parece estar disposto a abraçar após o Oscarizado Clube de Compras Dallas. Com Demolition, marcado para ser lançado ano que vem, o diretor chega a uma média de um filme por ano. Vamos ver se lá a teoria de que seu talento se diluiu em projetos tão rápidos se confirma.

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Acima das Nuvens, de Oliver Assayas

Foi a própria Juliette Binoche que propôs a história de Acima das Nuvens para o diretor Oliver Assayas. Ele comprou a ideia, escreveu o roteiro, escalou Binoche e o filme chegou a concorrer este ano em Cannes. Gosto muito de Julianne Moore em Mapa Para as Estrelas, mas confesso que não teria ficado nada chateado se Binoche tivesse levado mais uma vez o prêmio de interpretação feminina (ela ganhou merecidamente pela primeira vez em 2010 com Cópia Fiel) por sua composição de Maria Enders, uma atriz que é convidada a participar do remake de um espetáculo que a revelou anos atrás – só que, dessa vez, no papel da mulher madura que é manipulada por garota mais jovem (esta segunda representada por Enders originalmente).

Ao contrário de Cópia Fiel, um filme excessivamente dialogado, teatral e quase pretensioso, este Acima das Nuvens é amplamente bem sucedido em todos os seus aspectos cinematográficos. É de tirar o chapeu como o francês Assayas fala praticamente o tempo inteiro sobre interpretação, escolha de papeis e preparação de elenco sem nunca entregar o seu filme à teatralidade. As longas cenas de ensaios e bastidores entre as personagem de Binoche e Kristen Stewart são bastante envolventes porque, além de filmadas com bastante fluidez, discorrem dinamicamente sobre outros temas pertinentes às figuras em cena e também ao mundo artístico no geral, como o conflito de gerações, os limites de envolvimento de um ator com um papel e os caminhos cada vez mais distorcidos da relação entre obra e público.

Acima das Nuvens já sai na frente porque a Maria Enders de Binoche é uma figura incrivelmente rica e aberta a interpretações. Ela conquista não só porque Assayas consegue de fato convencer o espectador de que Maria é uma estrela de quinta grandeza (e Binoche só se torna mais linda com a idade, principalmente quando tem joias, maquiagens e roupas da Chanel a sua disposição como aqui), mas porque sua profundidade no filme está longe de se resumir a questões profissionais: ela é envolvente em toda sua personalidade. Binoche, claro, tem sua grande parcela de contribuição, entregando mais uma performance intensa e completa. Quem não fica atrás é a também interessante Valentine de Kristen Stewart, aqui surpreendendo ao provar que, quando bem dirigida, responde à altura e pode ser um grande ponto positivo. Com Binoche, forma uma das melhores duplas do ano.

Aspectos pontuais de Acima das Nuvens estendem o filme além do necessário. É tardia, por exemplo, a entrada de Chloe Grace Moretz na trama, especialmente depois de tanto tempo sendo mencionada ao longo da história. Ela também não é necessariamente bem aproveitada, uma vez que o contraste de sua personagem com a de Binoche poderia ter rendido bem mais do que apenas uma ou duas cenas no terço final do filme. Mesmo com este desfecho um tanto arrastado, Acima das Nuvens não chega a se abalar como uma obra complexa e que, sem dúvida, deve melhorar em futuras revisões.

7 comentários em “38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo #3: “Livre” e “Acima das Nuvens”

  1. Brenno, ainda não consigo ter uma opinião sólida sobre como será a award season para as mulheres… Mas se Juliette Binoche concorresse por “Acima das Nuvens”, já teríamos um grande desempenho competindo!

    Kahlil, ela está bem no filme, assim como a Laura Dern, que tem papel coadjuvante!

    Lksdkjdsjdslkjd, não sei o que é pior: Reese vencendo de Felicity ou Gwyneth de todas as outras haha

    Kamila, fiquei impressionado com a desenvoltura da Kristen nesse filme. Em momento algum ela se intimida diante de Juliette Binoche!

    Mayara, eu gosto da Reese em “Johnny & June”, bastante. Mas aí ganhar prêmio… E o que mais me incomoda: para mim, aquele filme é todo do Joaquin Phoenix!

    Clóvis, as duas estão ótimas! Mereciam indicações a todos os prêmios!

  2. Eu não esperava outra coisa de “Livre”, que desde o o momento em que li a sinopse, já me parecia ser um filme bastante água com açúcar. Me pergunto como ele vem gerando tanto buzz nessa temporada de premiações, mas como não ainda não assisti, vou me abster de dar pitaco. Já “Acima das Nuvens” é um dos filmes que mais aguardo nessa temporada, juntamente com “Interstellar” e “A Most Violent Year”. Estou curioso a respeito das atuações de Binoche e Stewart.

  3. Li alguns comentários vindos de Toronto que a Reese de “Livre” supera a June Carter vencedora de Oscar. Com todo o respeito a ela, até da Keira Knightley em “Orgulho e Preconceito” gostei mais. Já em relação à “Clouds of Sils Maria”, estou com boas expectativas por causa das elogiadas atuações tanto da Kristen, quanto da diva Binoche.

  4. Dois filmes que eu quero muito assistir. De uma certa maneira, sua impressão sobre “Livre” retrata aquilo que eu esperava mesmo desse longa. Em relação à “Acima das Nuvens”, fica a minha surpresa, mas isso não deveria me surpreender porque Olivier Assayas é um grande diretor, ainda mais trabalhando com duas atrizes talentosas como Juliette Binoche e, sim!, Kristen Stewart.

  5. um INJUSTO Oscar. PORRA EU TE AMO, VELHO. Sempre que olho pra cara dessa mulher eu lembro da atuação magnífica da Felicity Huffman em Transamerica e tenho mais nojo da academia.

  6. Por mais que as atuações masculinas pareçam ser o ponto alto da próxima awards season, as femininas trazem consigo o fato de podermos ver atrizes surpreendendo e ressurgindo das cinzas. Ansioso. Parece que será interessante.

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