Em 10 anos, nós teremos mudado o mundo? Ou o mundo terá nos mudado?
Direção: Paulo Morelli
Roteiro: Paulo Morelli
Elenco: Caio Blat, Carolina Dieckmann, Maria Ribeiro, Paulo Vilhena, Martha Nowill, Júlio Andrade, Lee Taylor
Brasil, 2014, Drama, 100 minutos
Sinopse: Isolados numa casa de campo, jovens amigos decidem escrever e enterrar cartas destinadas a eles mesmos, para serem abertas dez anos depois. Porém, após uma tragédia ocorrida naquele mesmo dia, os amigos ficam dez anos sem se ver. Agora, este reencontro irá trazer à tona antigas paixões, novas frustrações e um segredo mal enterrado.
Em As Melhores Coisas do Mundo, filme de 2010 dirigido por Laís Bodanzky, um personagem diz, a certa altura, que não é impossível ser feliz depois que crescemos, só fica mais difícil. Mas se nesse filme a diretora pintava um retrato maduro mas ainda cheio de alegorias envolvendo crescer e as alegrias da adolescência, Entre Nós talvez ateste que a impossibilidade da felicidade na vida adulta seja algo cada vez mais concreto. Por isso, ao contrário do que sugere o material de publicidade, o filme de Paulo Morelli surpreende ao se esquivar de qualquer clichê ou até mesmo de amortecimentos comerciais para falar sobre a transição da adolescência para a vida adulta. Na história protagonizada por Caio Blat e excelente elenco, a visão de mundo de pessoas que um dia tiveram uma adolescência sonhadora e cheia de expectativas é melancólica e repleta de promessas não realizadas. O resultado dessa proposta é a produção mais franca sobre virar adulto que vimos pelo menos no cinema brasileiro recente. Nada de romances inspiradores, humor comercial ou dramas simplistas. Não. E o filme de Morelli pode até causar estranhamento ao adotar essa visão mais pé no chão.
Saudosista mas puxando muito mais para a melancolia, Entre Nós é um brinde à amizade. Entretanto, é um gole amargo. O roteiro escrito pelo diretor é enfático ao defender a ideia de que crescer é difícil, que nem todos os sonhos podem ser realizados e que a adolescência é possivelmente a única época bela de nossas vidas. Uma vez terminada e mal aproveitada, não há mais volta. “Em 10 anos, teremos mudado o mundo ou ele terá nos mudado?”, pergunta um personagem, ao escrever uma carta prestes a ser enterrada para que fosse aberta uma década depois. A resposta para a pergunta vem quando os amigos se reúnem para ler essas cartas escritas uma década atrás. E as conclusões tiradas por eles a partir delas são o registro oficial de vidas interrompidas não só por uma tragédia que os abalou anos antes, mas também por acomodações, sentimentos não verbalizados e atitudes nunca tomadas. Mas não se engane: tudo isso não é mérito apenas do texto. O próprio Morelli como diretor tem excelentes escolhas, especialmente ao conduzir o ótimo elenco. Ele dirige muito bem não só aqueles que já são sinônimos de talento (Caio Blat), mas também outros que pareciam nunca ser capazes de esbanjar discrição e sutileza (Carolina Dieckmann e Paulo Vilhena), além de nomes desconhecidos que chegam para roubar a cena, como Martha Nowill.
Para além dessa visão negativa (ou seria realista?) de como a vida pode cortar nossas asas, Entre Nós é certeiro na opção de ambientar sua história praticamente toda no hoje para mostrar ao espectador quem os personagens um dia foram. Sem ter que dedicar metade de seu filme ao passado ou ter que se utilizar de flashbacks, entendemos plenamente o que cada um passou entre os anos que os separam daquele último fim de semana que passaram juntos. O reencontro da turma é o suficiente para captarmos suas novas personalidades, conquistas e derrotas. O pouco material envolvendo a adolescência dos personagens e a ausência de cenas na transição dos anos não são empecilhos para o filme, já que Paulo Morelli consegue transmitir todo esse hiato por meio dos diálogos – o que é um belo atestado de seu talento como roteirista. Em certos momentos, Entre Nós quase descamba para o previsível e o novelesco (uma das últimas cenas de Blat na montanha fica perto de colocar tudo a perder) ou, então, aproxima-se de estereótipos, como o da personagem de Carolina Dieckmann, quase reduzida à esposa magoada que sofre em silêncio com cara de choro. Contudo, são – felizmente – momentos passageiros que não ofuscam a franqueza desse pequeno grande filme que mostra que, muitas vezes, a vida é simplesmente difícil. E que o cinema e a dramaticidade só têm a ganhar ao não escapar dessa verdade.
Republicou isso em Blog do Rogerinho.
Kamila, aqui em Porto Alegre o filme também passou muito discretamente no cinema… Uma pena, merecia mais visibilidade!
Só li bons comentários sobre este filme, incluindo a sua resenha crítica, mas a trajetória de “Entre Nós” nos cinemas de minha cidade foi muito curta. Não deu tempo de conferir!