I don’t want to survive. I want to live.
Direção: Steve McQueen
Roteiro: John Ridley, baseado no livro “12 Years a Slave”, de Solomon Northup
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Michael Fassbender, Paul Dano, Lupita Nyong’o, Sarah Paulson, Brad Pitt, Paul Giamatti, Benedict Cumberbatch, Alfre Woodard, Quvenzhané Wallis, Taran Killam, Scoot McNairy, Tony Bentley
12 Years a Slave, EUA/Inglaterra, 2013, Drama, 134 minutos
Sinopse: 1841. Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) é um escravo liberto, que vive em paz ao lado da esposa e filhos. Um dia, após aceitar um trabalho que o leva a outra cidade, ele é sequestrado e acorrentado. Vendido como se fosse um escravo, Solomon precisa superar humilhações físicas e emocionais para sobreviver. Ao longo de doze anos ele passa por dois senhores, Ford (Benedict Cumberbatch) e Edwin Epps (Michael Fassbender), que, cada um à sua maneira, exploram seus serviços. (Adoro Cinema)
Pode até não parecer, mas a escravidão ainda é um assunto muito recente. Basta pensar em um amigo negro seu. Não é muito remota a possibilidade que o bisavô dele tenha sido um escravo, por exemplo. E por mais que este doloroso ciclo da história mundial tenha chegado ao fim, ainda vivemos tempos em que sua lógica perpetua em outros movimentos e ações. Tomem os gays como referência, que ainda lutam para ter direitos reconhecidos e que volta e meia são agredidos e mortos por serem… gays. Na Uganda, recentemente, atearam fogo publicamente em um gay, que não sobreviveu e morreu na frente de várias pessoas – incluindo crianças. Por isso, a crueza com que Steve McQueen retrata as chicotadas em Patsy (Lupita Nyong’o) e a perversidade do senhor de escravos vivido por Michael Fassbender não chega perto do apelativo em 12 Anos de Escravidão. Ainda existe sim, em nossa sociedade, todo um prazer sádico em inferiorizar, torturar e assassinar os “diferentes”. Prazer doentio esse que é muito bem representado pela figura de Fassbender e por este filme como um todo, que é sim necessário e dotado de um absurdo valor humano e social.
Contudo, nestes casos, fica a dúvida se a admiração vem pelo que ele representa em um contexto específico ou necessariamente por sua execução. E confesso que minha recepção a 12 Anos de Escravidão se confunde um pouco nesses meandros. Às vezes, cinema é simplesmente uma questão de envolvimento: o filme pode ter tudo no lugar, ser repleto de aspectos admiráveis e mesmo assim não arrebatar um determinado espectador como uma obra cinematográfica. Talvez tenha sido essa minha reação ao filme de McQueen. Lindo em sua abordagem e bem realizado em sua proposta, mas não necessariamente uma obra que tenha me fisgado por completo. Envolvimento, enfim. De todo jeito, é diferente a forma como o diretor mostra escravidão nesta produção vencedora do Oscar 2014 de melhor filme, roteiro adaptado e atriz coadjuvante (Nyong’o). Uma escolha particular resume bem o posicionamento de seu realizador: ao invés das tradicionais tomadas aéreas para mostrar grande planícies lotadas de escravos trabalhando incessantemente, 12 Anos de Escravidão prefere navegar com a câmera nas próprias plantações, onde as folhas constantemente batem na câmera como se ela fosse alguém desbravando de perto aquele mundo.
Se recentemente o racismo foi mostrado açucaradamente em Histórias Cruzadas ou com grandes caricaturas no péssimo O Mordomo da Casa Branca, McQueen dá a lição de como tratar o tema com dignidade em seu mais novo filme. Não existe necessariamente uma história de grandes detalhes em 12 Anos de Escravidão. Basta saber que Solomon era um negro nascido livre que foi capturado ilegalmente e escravizado durante 12 anos. É o dia-a-dia como escravo, com angústias, esperanças, humilhações e um duro trabalho nos campos de algodão. Simples assim. Nada de surpresas ou maiores acontecimentos. Por isso que as interpretações são tão essenciais, especialmente porque 12 Anos de Escravidão é um filme que se apoia bastante em figuras que passam – brevemente ou não – pela vida de Solomon deixando marcas, sejam elas boas ou ruins. Assim, ligeiras mas boas participações existem aqui para contextualizar uma época e seus hábitos, como a de Paul Dano, por exemplo, interpretando com excelência um desprezível jovem racista que vive inventando razões para maltratar os escravos. É o representante de uma geração ensinada a ser cruel já desde os primeiros anos de vida.
Entretanto, é mesmo Chiwetel Ejiofor quem lidera com grande discrição esse excelente elenco. Nunca extravasando por completo a revolta de um negro injustiçado mas tampouco interiorizando suas angústias de forma que o espectador não perceba o que se passa com ele, Ejiofor segura com firmeza o filme, provando que seu nome complicado não deveria ser um empecilho para uma trajetória de sucesso. Na última cena, é particularmente impressionante essa “força contida” do ator. Ainda chamando a atenção em cena está a estreante Lupita Nyong’o, vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante. Ainda que ela pareça uma espécie de Anne Hathaway (Os Miseráveis) de 2014 com pouquíssimo tempo em cena (entra, arrebata, corta o coração e vai embora), a atriz surpreende e é uma das figuras que mais fica com o espectador após o término da história.
A direção de McQueen conduz muito bem os atores e a discreta trilha de Hans Zimmer dá atmosfera certa para essa tragédia diária do protagonista. Mas, mesmo que eficiente em seu lado técnico, 12 Anos de Escravidão não traz o horrível sendo fotografado lindamente. Quando chega perto de mostrar uma paisagem mais ampla, por exemplo, é com Edwin (Fassbender, a personificação do diabo) andando a cavalo ao fundo e chicoteando os negros durante o trabalho. Não há espaço para uma mera panfletagem de moralismos e piedades. São fatos que se bastam, simplesmente. Pode até ser que a escravidão tenha sido oficialmente superada, mas, de um jeito ou de outro, ela ainda reverbera. Só que 12 Anos de Escravidão não é sobre culpa. É sobre olhar para trás e pensar como não deixaremos o passado se repetir no presente e no futuro. Não saí tão envolvido com o resultado como cinema, mas tal mensagem é suficiente para que o valor humano do projeto seja incontestavelmente reconhecido – o que por si só já é uma rara vitória.
Eu como negra, quando assisti o filme eu vi os tempos de hoje, é cruel as cenas, mas me vi nela, o chicote de hoje são meus irmãos negros jovena morrendo pela mão da policia, o racismo disfarçado de “minha opinião”, a violencia contra a mulher que pesiste, os estereótipos que colocam nas mulherea negras, a violencia obstétrica contra as mulheres negras, o silencianento entre outros fatos que chicoteia a gente ate hj, a escravidão acabou mas o pensamento escravocrata não saiu da mente da sociedade BRANCA, sim, e não venham me falar “eu não sou racista por ser branco”
É facil não ser nada de ruim quando sempre teve privilégios e nos negros somos tratados como loucos e vitimistas assim como o filme mostra, muita coisa ainda n mudou e acho que é isso que o filme mostra.
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Ricardo, como comentei no texto, a escravidão ressoa até hoje… Acho que esse foi a grande mensagem que o filme me passou.
Kamila, concordo com tudo que você disse!
Clóvis, realmente, quem mais me impressionou foi o Chiwetel Ejiofor. Gostei da Lupita também, mas nada de tão extraordinário assim como a temporada de premiações apontou.
“12 Anos de Escravidão” é um filme bem sólido que se beneficia muito do roteiro carregado e bem estruturado e da excelente atuação de Chiwetel Ejiofor. Gostei menos das outras performances, todas competentes, porém nada extraordinárias. Acho que o seu ponto mais irregular se encontra na direção do Steve Mcqueen, que ora assume um tom mais sentimental e ora um tom mais documental e didático. No fim, como disse Isabela Boscov, é um filme importante e necessário, mas nem por isso um grande obra.
“12 Anos de Escravidão” é um filme muito forte, do ponto de vista emocional. E, talvez, a obra cinematográfica mais forte sobre o tema da escravidão, pois, por meio da jornada vivenciada por Solomon Northup, somos colocados no meio das condições desumanas, das humilhações e da violência que os escravos sofreram. Uma obra muito contundente e muito bem realizada por Steve McQueen e atuada por um elenco inspirado, em grandes atuações.
Matheus, que bela escrita. teu texto é preciso em apontar o teu sentimento em relação ao filme. Eu gostei de “12 anos…”. Foi o que mais merecia o prêmio de melhor filme no Oscar, na minha opinião. É um relato bem cru e necessário. Assisti recentemente aquele alemão ” A Onda” (achei mediano), e é como eles bem dizem no filme, nada é impossível de acontecer de novo. Ou seja: a escravidão tem que ser escancarada mesmo, pois como você disse, o preconceito existe sim hoje me dia. E mais, é latente.
Abraço!