Perhaps the only difference between me and other people is that I’ve always demanded more from the sunset.
Direção: Lars Von Trier
Roteiro: Lars Von Trier
Elenco: Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgård, Stacy Martin, Shia LaBeouf, Christian Slater, Uma Thurman, Connie Nielsen, Hugo Speer
Nymphomaniac – Volume 1, Dinamarca/Alemanha/França/Bélgica/Reino Unido, 2013, Drama, 122 minutos
Sinopse: Bastante machucada e largada em um beco, Joe (Charlotte Gainsbourg) é encontrada por um homem mais velho, Seligman (Stellan Skarsgård), que lhe oferece ajuda. Ele a leva para sua casa, onde possa descansar e se recuperar. Ao despertar, Joe começa a contar detalhes de sua vida para Seligman. Assumindo ser uma ninfomaníaca e que não é, de forma alguma, uma pessoa boa, ela narra algumas das aventuras sexuais que vivenciou para justificar o porquê de sua auto avaliação. (Adoro Cinema)
Dias antes de conferir Ninfomaníaca – Volume 1, uma conhecida me perguntou se a crítica estava recomendando ou não o filme de Lars Von Trier. Antes que eu pudesse responder, uma outra conhecida se adiantou e deu uma resposta muito melhor da que eu estava prestes a dar. Disse ela: “Pouco importa. Esse é um filme que está sendo discutido”. Resposta certeira para uma produção que sim, está longe dos meros rótulos de “boa” ou “ruim”. Ninfomaníaca – Volume 1 ultrapassa os limites de apenas uma estreia nos cinemas para se tornar um verdadeiro evento. Gostando ou não, o novo trabalho de Lars é tema de muitos debates e não causa indiferença. Mesmo quem bombardeia contribui para a repercussão. Afinal, como diz Clécio (Irandhir Santos) no recente Tatuagem, crítica negativa é publicidade gratuita.
Mais do que nunca, Lars Von Trier precisa dessa repercussão do público. Ele nunca foi um diretor popular: suas produções viviam basicamente de Cannes e o diretor, depois de falar bobagens no evento e ser considerado persona non grata por lá (título que meses depois o próprio Festival voltou atrás e retirou), teve que arranjar alguma forma de causar barulho sem o selo de qualidade de Cannes. A solução que ele achou foi um pesado trabalho publicitário. Nunca vimos o dinamarquês investir em tanta polêmica antes de lançar um filme. Já não bastasse a premissa (a saga de uma mulher viciada em sexo dividida em dois longas), ele sempre fez questão de dizer que tudo seria explícito e de vazar o maior número possível de trechos do filme para causar curiosidade. Por fim, elaborou cartazes com todo o elenco simulando orgasmos. E Lars, considerado um sujeito extremamente egocêntrico e pretensioso, começava a dar sinais de que estava novamente se descontrolando com tanta apelação depois de ter se estabilizado daquele absurdo chamado Anticristo com o belo Melancolia.
Só que a sessão acaba e Ninfomaníaca – Volume 1 se revela quase uma propaganda enganosa. Menos chocante do que prometia, o filme pode até ser mais pesado para o grande público que não tem referências da filmografia do diretor ou de títulos alternativos mais intensos, mas está bem claro que a história não tem como objetivo impactar o público com sexo gratuito. Porém, aí entra o grande problema dessa primeira parte de Ninfomaníaca: nós não sabemos qual o objetivo dela. Infelizmente, o volume 1 da história de Joe (Charlotte Gainsbourg) não se sustenta sozinho. Ok, estamos assistindo aos problemas de um vício descontrolado dessa mulher que desde pequena já tinha impulsos sexuais mais intensos do que o normal. Mas o que Lars Von Trier quer dizer com tudo isso? Sozinho, Ninfomaníaca – Volume 1 é um retrato racional e simplista de um vício sexual, distribuído em pequenas histórias contadas em capítulos.
É um problema que a primeira parte ainda não chegue na figura de Charlotte Gainsbourg. Ela está ali narrando tudo, mas a trajetória em si, desde quando a protagonista era uma criança, ainda não chegou até sua fase de mulher adulta que foi encontrada machucada e desmaiada em um beco. Ou seja, precisamos do segundo volume para compreender – ou não – o que todas as situações adolescentes de Joe realmente significaram para a mulher que ela é hoje. Normalmente, muito se discute a decisão de se dividir um filme em duas partes. Só que se é fácil deduzir a razão de exemplares como Harry Potter e Jogos Vorazes ganharem dois longas para um mesmo ciclo (dinheiro, claro, apesar dos estúdios dizerem o contrário), o oposto acontece com Ninfomaníaca. Será que foi realmente necessária essa separação? A julgar pelo que está em cartaz, a trama poderia ter sido muito bem condensada em um único ciclo, nem que ela fosse mais longa do que estamos acostumados a ver.
Por isso, é impossível julgar Ninfomaníaca – Volume 1 de forma independente. Falta explicação para muitos pontos, e essa sensação impede uma análise mais profunda das propostas de Lars. O que vemos nesse filme se parece mais com uma coletânea de curtas intercalados por narrações e comentários. Menos complexo do que merecia ser, é, do jeito que ficou, uma história bastante genérica dessa garota que chega a transar com sete homens em uma noite. E é ao tentar dar alguma profundidade para a história de Joe que o diretor acaba caindo no didatismo. Como? Criando Seligman (Stellan Skarsgård), o sujeito que ajuda a protagonista e ouve sua história. Possivelmente um alter-ego do diretor, é nele que está centrada toda a “complexidade” do filme, pois Seligman analisa cada momento narrado por Joe. Ele faz inúmeros paralelos do que ouve, passando por metáforas que envolvem conceitos de Fibonacci e polifonia, por exemplo. Só que, ao invés de realmente trazer a necessária complexidade, é como como se sussurrasse constantemente para o espectador: “vejam como tudo tem mais conteúdo do que aparenta!”.
Curiosamente, de alguma forma Ninfomaníaca – Volume 1 envolve e escapa das pretensões exacerbadas e apresentadas anteriormente por Lars em longas quase insuportáveis de tão pedantes como o já mencionado Anticristo. Inclusive, seu mais novo trabalho tem pelo menos um segmento realmente admirável: aquele envolvendo a sra. S. de Uma Thurman. Ali sim está presente uma maior originalidade e também discussões que o filme falha em propor nessa primeira parte como um todo. É até curioso que o capítulo gere tantas risadas na sessão, uma vez que, assim como no recente Blue Jasmine, o “humor” só explicita a desgraça humana. Nesse caso, apresenta os limites que as pessoas chegam quando se confrontam com frustrações sexuais e amorosas. E Uma Thurman consegue tirar tudo de letra em uma interpretação que é a melhor de sua carreira desde que trabalhou com Quentin Tarantino em Kill Bill. A sequência de Thurman sintetiza bem outra proposta de Ninfomaníaca: a de que o sexo aqui não é motivo de excitação e sim de muita tristeza. Serve para saciar obsessões, afogar mágoas, esquecer o mundo e aliviar angústias. O que menos conta é realmente o prazer.
Ainda que incompleto, Ninfomaníaca – Volume 1 tem seus momentos, traz opções estéticas interessantes (letreiros na tela, a sequência da polifonia) e, em dados momentos, nem parece um filme de Lars (de seus exemplares recentes, talvez seja o que menos use a câmera na mão, por exemplo). Mais do que isso, chega a ser imersivo e até envolvente, sendo só prejudicado mesmo pela falta de respostas. Exemplares mais implícitos já chocaram muito mais e é de se esperar que, em março (quando o segundo capítulo entra em cartaz), seja possível descobrir que tudo o que foi mostrado aqui seja uma preparação para explicações realmente interessantes e de acordo com o talento que o diretor já demonstrou em vários filmes. Separado, o primeiro filme de Ninfomaníaca é deficiente artisticamente, com vários pensamentos incompletos. Ele simplesmente não responde por si só. Em função disso, a tradicional avaliação com nota que apresentamos aqui no blog não existe dessa vez. Não tem como julgar algo pela metade. Em março saberemos o quanto a saga de Joe realmente vale a pena.
Kamila, difícil apontar, somente com o primeiro filme, o que o Lars Von Trier quis mostrar… Vamos ver se a segunda parte responde a todas as minhas dúvidas.
Clóvis, eu tenho uma relação bem conturbada com o Lars Von Trier hehe O único filme que de fato gosto dele é “Melancolia”. “Anticristo”, por exemplo, acho um pavor de uma pretensão sem fim.
Com exceção de “Melancolia”, do qual gosto muitíssimo, eu não sou familiarizado com a filmografia do Lars Von Trier. Achei interessante esse seu ponto de vista, porque o filme parece ter sido uma experiência bastante divisora pra você. Nesses dois anos que acompanho o blog, nunca te vi deixar de dar uma nota a um filme! Talvez eu faria melhor esperar esse aqui em DVD.
Ainda não assisti à primeira parte de “Ninfomaníaca”, pois o filme só estreia aqui em Natal em fevereiro, mas a sensação que eu tenho foi a de que Lars Von Trier quis mostrar o excesso de sexo como uma forma de nos retratar o quanto isso pode se tornar mecânico quando não feito com amor.