Six Feet Under foi a série que marcou a minha iniciação no mundo televisivo. Quando fiquei órfão da série – após a pura anestesia que é o impecável desfecho do programa criado por Alan Ball – era natural procurar, justamente, uma opção que tivesse alguma relação com o que eu acabara de assistir. O ano era 2006 e Michael C. Hall, excepcional em Six Feet Under, ganhava um seriado para brilhar sozinho: Dexter, sobre um serial killer que trabalha na polícia de Miami. Tudo deu certo logo de cara: a história era instigante, o roteiro bem amarrado e o suspense conduzido com grande habilidade. Foi assim durante quatro temporadas, com dois picos altamente significativos (leia-se o segundo e o quarto ano da série, maravilhosos), até My Bad, capítulo de estreia da quinta temporada. A série terminou nele. Quer dizer, Dexter continuou, mas qualquer qualidade e inspiração que existia no programa se dissolveu nesse episódio.
É no mínimo curiosa a trajetória de Dexter na TV. Oito temporadas: quatro ótimas, quatro péssimas. 50% de aproveitamento. Vencedora do Globo de Ouro e do SAG e indicada ao Emmy, foi, durante certo tempo, uma das melhores séries em exibição. Mas bastou virar sucesso de público para que tudo fosse por água abaixo, mais especificamente depois do final do quarto ano, quando os roteiristas apostaram em uma tragédia no mínimo corajosa que não foi aceita pelo público mais sensível. A rejeição pela morte de uma personagem fez a série regredir, com uma história andando em círculos, atuações cada vez mais enfraquecidas (inclusive do próprio protagonista Michael C. Hall), fatos fora da realidade, previsibilidade e, o pior de tudo, inexistência de suspense.
Resistente e também fiel a essa memória afetiva de Dexter (como mencionado, um dos primeiros seriados que acompanhei), enfrentei bravamente as temporadas posteriores e, a cada ano, minha incredulidade com a covardia e a previsibilidade da série se acentuava. Mas nada preparava os espectadores para a última sequência de episódios do serial killer, que deu adeus à TV no último domingo (22) da pior forma possível. Chegamos nela já sabendo que nada acontece ao personagem: ele escapa de tudo, sempre dá um jeito de resolver seus problemas e, mesmo quando algo lhe afeta, logo esquece tudo e já parte para a matança de novo. Era de se esperar, no entanto, que a equipe de Dexter retomasse alguma inspiração pelo menos para a despedida. O efeito foi totalmente o contrário: nunca a série esteve tão mal escrita e com episódios sem personalidade, bagunçados e repletos de atentados ao bom senso do espectador.
O mais preocupante da oitava temporada, no entanto, foi como a própria lógica do protagonista se inverteu e qualquer resquício de sua complexidade desapareceu. Nos últimos episódios, por exemplo, os roteiristas tiveram a capacidade de fazer com que o romance tomasse conta da trama, humanizando Dexter de forma descabida. Ao longo da temporada, muitas tentativas também foram frustradas: a introdução de um pupilo, a análise psicológica da personagem de Charlotte Rampling (ainda tento entender o que ela fazia ali), retorno de personagens só para dar algum rumo aos acontecimentos finais, coadjuvantes inúteis (Masuka e uma parente? Qual foi o sentido daquilo?) e outras bobagens que não vale nem a pena mencionar. Não bastasse o formato batido, o suspense mofado e o ritmo arrastadíssimo, o personagem se desconstruiu e passou, de uma hora para outra, a ser alguém que nunca vimos. Não existe sentido nessa brusca transformação, especialmente quando Dexter se sensibiliza com fatos que, em temporadas passadas, foram muito piores e nunca se tornaram qualquer empecilho para que ele seguisse com sua vida.
Tais guinadas dos episódios finais são completamente inverossímeis e a (boa) mensagem de que ter que lidar sozinho com as consequências de seus próprios erros não tem qualquer efeito, visto que passou a ser construída somente no último episódio, quando esse estudo merecia no mínimo uma temporada inteira (como acontece recentemente com a arrebatadora Breaking Bad). Com a bagunça instalada, até mesmo a ótima coadjuvante Jennifer Carpenter, que se manteve ilesa nas últimas temporadas, não sobreviveu ao texto horrível que lhe era destinado. Que Michael C. Hall, esse grande ator que já arrasou em Six Feet Under, tenha projetos melhores daqui para frente. Dexter, nas temporadas iniciais, parecia o papel de sua vida, mas hoje é melhor esquecê-lo. Remember the Monsters?, o vergonhoso episódio final, mostra que ele ainda tem muito a oferecer, mas que não seja em materiais como esse. Dexter já vai tarde.
OITAVA TEMPORADA: [7.0] 8X01 A Beautiful Day [6.5] 8X02 Every Silver Lining… [6.5] 8X03 What’s Eating Dexter Morgan? [7.5] 8X04 Scar Tissue [6.5] 8X05 This Little Piggy [7.5] 8X06 A Little Reflection [7.0] 8X07 Dress Code [6.5] 8X08 Are We There Yet? [6.0] 8X09 Make Your Own Kind of Music [6.5] 8X10 Goodbye Miami [5.5] 8X11 Monkey in a Box [5.0] 8X12 Remember the Monsters?
A seguir, inspirado por um post do Buzzfeed, faço um breve resumo (com imagens e spoilers) do que foi esse trágico episódio final da série.
Dexter se apaixonou e está de malas prontas para a Argentina. Sua namorada é uma fugitiva da polícia (que ele mesmo ajudou a colocar na cadeia), mas a moça anda pelas ruas e espera o avião sem sequer um óculos de sol para disfarçar seu rosto tão procurado.
Mas segundos antes do embarque, Dexter recebe uma ligação avisando que sua irmã foi baleada pelo cara que ele decidiu não assassinar (porque estava apaixonado e não sentia mais necessidade de matar) e deixar para que a irmã prendesse. Óbvio que deu errado, ela foi ferida e agora está indo às pressas para o hospital.
Ele perde o avião e pede que a namorada o espere até que ele confira se está tudo bem com a irmã. Dexter chega ao hospital e… surpresa! Debra está ótima, viva, fora de perigo e com o aval da médica que tudo vai ficar bem. Ele quer ficar, mas a irmã faz um discurso motivacional sobre como ele, um serial killer, merece ser feliz a todo custo com a namorada que ela tanto detestava e queria até ver presa.
Dexter sai do quarto da irmã com um sorriso no rosto e uma sensação de completude. E resolve contar uma historinha para o filho. A câmera se aproxima dos rostos deles e…
Um flashback! Relembrando um belo momento com a irmã, que o acompanhou quando ele viu o filho recém-nascido pela primeira vez.
Dexter volta para a namorada e… está prestes a embarcar de novo. Mas pensa melhor e, na porta do ônibus, prefere ficar na cidade para se certificar que a irmã ficará bem e que o serial killer responsável por tudo aquilo receba a devida punição. O que ele faz? Larga o filho com a namorada criminosa e foragida da polícia. Exemplo de pai. O plano? Todos se encontrarão na Argentina depois felizes para sempre.
A namorada entra no ônibus, viaja tranquilamente e… surpresa! Lá está o investigador que tanto lhe procurava. E, como boa amiga da Cláudia Raia na novela Salve Jorge, ela tem uma seringa na bolsa. Aplica o sedativo no homem e abandona o ônibus.
Dexter volta ao hospital e encontra o serial killer que deu um tiro na sua irmã. O que ele faz? Pega um garfo (!!!) e resolve enfrentar o homem, que tem uma arma na mão. Mas a polícia de Miami finalmente resolveu trabalhar e prende Oliver Saxon antes que Dexter externalizasse sua fúria.
O homem vai preso e Dexter resolve trocar uma palavrinha com ele. E arma um plano infalível: diz que vai o matar com uma caneta de plástico (!!!). O recém preso se antecipa e fura o braço (!!!) de Dexter, que, em um contra-golpe, é infinitamente mais esperto (ou seria coerente?) e acerta diretamente na jugular do adversário. Tudo isso, claro, na polícia, com muitas câmeras. Mas, hey, Dexter está abalado com a situação da irmã e o tal homem merecia morrer pelo que causou a todos… Então vamos ajudá-lo, bolar um plano e livrá-lo dessa!
Tudo resolvido e bonitinho, até o protagonista voltar para checar a irmã. Ela que, lembrem, estava ótima e livre de qualquer perigo, agora sofreu um AVC na cirurgia, entrou em coma e, quando (e se) acordar, não vai mais conseguir falar, se mexer ou reconhecer ninguém!
Então vem a tempestade. Literalmente. Porque desgraça sempre vem acompanhada de chuva ou frio, e a série tem que criar aquele clima, né?
Dexter não dá nem chances da medicina fazer alguma coisa, porque ele é Deus e precisa decidir o destino da irmã logo de cara. Eutanásia nela! Aparelhos desligados, algumas lágrimas e… Dexter sai correndo pela rua com o corpo de Debra. Assim, ao ar livre, na frente do hospital, sem ninguém perguntar o porquê de ele estar com um defunto em uma maca caminhando pela rua!
Qual o objetivo disso tudo? Dar um enterro digno à irmã? Não… Jogá-la no mar, como todas as suas outras vítimas. Não sei se quiseram dar algum valor simbólico a isso (se sim, que mau gosto!) ou se não se deram conta mesmo e resolveram fazer qualquer porcaria para terminar logo o último roteiro.
E, de repente, o serial killer percebe como destruiu a vida de todos, resolve virar suicida (!!!) e jogar o seu barco contra a tempestade furiosa que tomou conta de Miami.
O navio é encontrado aos pedaços e os roteiristas nos levam a crer que, snif, Dexter morreu. Tanto que a namorada dele, bem bela na Argentina e tomando sorvete com o filho abandonado do protagonista, está navegando na internet pelo seu iPad e lê a notícia de que seu grande amor sofreu um acidente e não existe sinal de que ele está vivo.
Na sequência seguinte, descobrimos que Dexter se isolou do mundo, trabalha com madeiras e agora tem um olhar triste e uma barba para mostrar falta de interesse pela vida. Não existe prisão maior do que ter que conviver com as consequências de nossos próprios erros. Tudo isso trabalhado brilhantemente nesse episódio e nessa cena final. Só que ao contrário. FIM.
Pafersan, último capítulo foi horrível, né?
Kamila, desde a quinta temporada a série saiu completamente dos trilhos. Culpa, creio, da Showtime, que não queria se despedir desse programa que foi, até a última temporada, a sua maior audiência!
Hugo, o que fica de “Dexter” é o impressionante talento camaleônico do Michael C. Hall. Ele está com o mesmo visual de “Six Feet Under”, mas suas expressões e tons de voz são completamente diferentes. Baita ator! Espero que tenha grandes chances daqui pra frente.
Acompanhei “Six Feet Under” por completo. Era uma série sensacional sobre família principalmente e tinha um belo elenco onde Michael C. Hall se destacava num papel extremamente difícil.
Não consegui acompanhar “Dexter”.
Abraço
Faz tanto tempo que desisti de “Dexter”. Me parece que a série perdeu completamente o rumo e esse series finale foi uma unanimidade nas opiniões decepcionadas com o roteiro.
Adorei a review e esse resumo do capítulo foi ótimo! Se eu soubesse, nem teria assistido, pois leria aqui e, pelo menos, chegaria ao fim sorrindo.