“Eu só quero saber o que é prazer, nem que seja por caridade” diz, em certo ponto, uma personagem de Tudo Que Deus Criou. A frase exemplifica bem a proposta do filme de André da Costa Pinto: nele, o sexo é um ato mecânico, muitas vezes feito apenas por dinheiro, quando não responsável apenas por causar dor, sejam elas físicas ou emocionais. Só que, se a trama gira completamente em torno do tema, Tudo Que Deus Criou aposta em uma estrutura que dá um olhar mais abrangente a tudo: a de vários núcleos inseridos em um mesmo local (no caso, um bairro de baixa renda).
Fica evidente que o filme de André da Costa Pinto não tem grandes ambições técnicas – até porque é realizado com bastante simplicidade – mas o resultado se sobressai porque a história fala de sexualidade sem rodeios e levanta vários questionamentos. Afinal, um homem pode se dizer heterossexual mesmo transando com garotos de programa? Até que ponto uma mãe sabe sobre a verdadeira sexualidade de seu filho? Qual o momento certo de um jovem assumir sua homossexualidade? Tudo isso em um filme que também consegue ser sobre uma comunidade específica, onde nunca um personagem se sobrepõe a outro.
As casas precárias e os cenários sujos do bairro paraibano imprimem realismo a Tudo Que Deus Criou, que ainda tem a seu favor um elenco extremamente eficiente. O destaque com Guta Stresser. Conhecida basicamente por seu papel cômico no seriado A Grande Família, aqui ela mostra uma grande força dramática (o que já era perceptível no sombrio Nina), naquele que é o papel mais sofrido de todos. Como uma mulher que perdeu a juventude e a beleza ao lado de um marido abusivo, ela transmite dor mas também a esperança de uma mulher que ainda não quer ver os seus dias acabados.
Tudo Que Deus Criou não está isento de falhas e elas estão relacionadas ao desenvolvimento de algumas figuras femininas. A senhora praticamente inválida que só atormenta a vida da família, por exemplo, é uma personagem óbvia e que em quase nada acrescenta ao filme. Letícia Spiller, com sua figura curiosa que ganha mais sentido perto do desfecho, demora demora para dizer ao que veio. A religião ainda deveria estar mais presente e provocativa, como na cena em que um menino pergunta ao pai se Deus fez o homem só para gostar de mulheres. Em um filme cujo título é Tudo Que Deus Criou, esperava-se uma profundidade maior nesse sentido.
De qualquer forma, André da Costa Pinto realizou um longa bastante satisfatório. E o mais importante de tudo: conseguiu versar sobre sexualidade sem nunca perder a mão. Todas as cenas mais pesadas são incômodas por, justamente, estarem cercadas de um realismo que a sociedade não quer enxergar. Tudo Que Deus Criou trata o sexo com muita naturalidade, seja em diálogos ou em encenações. E alcança até mesmo momentos tocantes, a exemplo daquele em que a homossexualidade de um personagem finalmente é verbalizada para um familiar. Vidas duplas e secretas em uma história que, se não realizada com o primor que merecia, fala um pouco sobre todos nós. Inclusive sobre o que não queremos admitir.
* Filme conferido na cobertura do CLOSE 2012