Rapidamente: “20 Dias em Mariupol”, “O Clube dos Milagres”, “Clube Zero” e “O Sabor da Vida”

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O Sabor da Vida é muito mais do que as polêmicas envolvendo a sua escolha para representar a França na disputa por uma indicação ao Oscar de melhor filme internacional.

20 DIAS EM MARIUPOL (20 Days in Mariupol, 2023, de Mstyslav Chernov): Vencedor do Oscar 2024 de melhor documentário, esse filme do diretor ucraniano Mstyslav Chernov captura, com bastante crueza, a recente invasão russa na cidade de Mariupol e registra todos os horrores inerentes a qualquer guerra. Da tensão reverberada pela chegada dos primeiros tanques até imagens de devastações da cidade-título, 20 Dias em Mariupol traz imagens pesadas de se ver, com o intuito, claro, de ser uma grande denúncia do que está acontecendo em território ucraniano, mas também de dar uma outra dimensão ao espectador que pensa conhecer o verdadeiro horror de uma guerra só por acompanhar as notícias em telejornais e sites da internet. Essa acaba sendo a grande força do documentário, pois o resultado se aproxima mais de uma grande reportagem do que de uma produção com DNA cinematográfico. O tom jornalístico, corriqueiro no gênero, não chega a ser uma surpresa porque se trata da vocação do próprio Mstyslav, correspondente de guerra já reconhecido pelo Prêmio Pulitzer de Serviço Público por seu trabalho na profissão. 20 Dias em Mariupol é, aliás, composto por imagens originalmente enviadas pelo jornalista para veiculação em noticiários durante os dias em que ficou encurralado com outros colegas durante a invasão russa na cidade ucraniana. Soma-se ao caldo a inserção de dilemas clássicos da profissão e verbalizados pelo diretor-narrador, como quando o repórter se vê dividido entre ajudar uma pessoa necessitada ou apenas fazer o registro do momento. Diminui a força e a urgência do relato? De maneira alguma. Apena se torna um daqueles casos em que o tema se sobrepõe à forma, com todos os prós e contras.

O CLUBE DOS MILAGRES (The Miracle Club, 2023, de Thaddeus O’Sullivan): Sempre serei grato a filmes como O Clube dos Milagres por eles reunirem grandes atrizes que já não recebem o devido protagonismo — no caso, temos aqui Maggie Smith, Kathy Bates e Laura Linney. E também sempre reclamarei de filmes como O Clube dos Milagres porque normalmente eles são incapazes de criar histórias inspiradas para que essas atrizes brilhem além dos talentos inerentes a elas. Oriundo da TV, o diretor Thaddeus O’Sullivan dá vida ao roteiro de Jimmy Smallhorne, Joshua D. Maurer e Timothy Prager como um açucarado telefilme familiar dos anos 1990, mas sem qualquer tom de nostalgia que possa tirar o pó em torno do material. Também não ajuda O Clube dos Milagres ter uma história das mais frágeis, em que as protagonistas vividas por Maggie e Kathy sonham visitar a cidade de Lourdes, esperando viver um milagre. Antes de embarcar, elas se deparam com o retorno de Chrissie (Laura Linney), figura ausente em suas vidas há muitos anos e que traz consigo uma série de mágoas e mal entendidos de um passado distante. Falta graça ao longa, que acaba dependente das atrizes, todas boas como de praxe, mas sem ter muito o que fazer com o texto morno. Há ainda pitadas de humor pouco eficientes entre os coadjuvantes, além de uma certa tentativa de emular, sem sucesso, o charme de uma comédia britânica. Não por acaso, O Clube dos Milagres passou despercebido mundo afora e, aqui no Brasil, foi, sem alarde, para o streaming. Destino compreensível para um longa que, mesmo inofensivo, não deveria ter se permitido chegar a um nível tão grande de inexpressividade com as atrizes reunidas em cena.

CLUBE ZERO (Club Zero, 2023, de Jessica Hausner): Prova de que todas as premiações e festivais são suscetíveis a erros (e dos grandes!) é Clube Zero ter disputado a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2023. Dirigido pela austríaca Jessica Hausner, o filme se revela uma sucessão de coisas que não dão certo, algo no mínimo surpreendente para uma cineasta em seu oitavo longa-metragem. Nessa equação de erros, talvez não exista problema maior do que a forma torta com que Clube Zero aborda uma série de temas delicados. Na trama, Mia Wasikowska interpreta uma professora que estabelece um vínculo muito próximo com um grupo de alunos quando introduz em aula o tema da alimentação consciente e como os seres humanos se relacionam com ela. Tal proximidade começa a tomar rumos perigosos, uma vez que os estudantes — alguns bulímicos, outros diabéticos ou apenas displicentes com hábitos alimentares — ficam gradativamente obcecados com o assunto, entrando em uma espiral de fanatismo que pode inclusive colocar suas vidas em risco. Mas, afinal, o que é Clube Zero? Uma sátira? Um drama? Um thriller? Um filme-denúncia? Sem nunca se fazer entender, a diretora Jessica Hausner, autora do roteiro em parceria com Géraldine Bajard, peca na abordagem temática e na construção da narrativa. A falta de foco prejudica a conexão com os personagens, afinal, fica complicado compreender o que devemos sentir por eles e, principalmente, qual o objetivo do filme com as discussões levantadas. Diante desse vazio, Clube Zero se arrasta e se distancia, acreditando ter algo a dizer quando, na verdade, é até mesmo problemático na irresponsabilidade de suas tentativas de abordagem.

O SABOR DA VIDA (La Passion de Dodin Bouffant, 2023, de Anh Hung Tran): Foi o filme enviado pela França para concorrer a uma vaga na categoria de melhor filme internacional do Oscar 2024, o que causou uma série de polêmicas diante da trajetória vitoriosa de Anatomia de Uma Queda, começando pela Palma de Ouro em Cannes até o próprio Oscar de melhor de roteiro original. Estrategicamente, a decisão se mostrou mais do que equivocada, mas, do ponto de vista artístico, não dá para reclamar, pois O Sabor da Vida é especial em muitos aspectos. Nele, a gastronomia é vista como um ritual não apenas da cozinha, mas também da nossa própria existência. A primeira meia hora, centrada na produção e na degustação de um elaborado banquete, já nos mostra como os personagens se compreendem através do ato de cozinhar e como se comunicam através dele. Avesso aos clichês edificantes e de redenção que permeiam os filmes sobre gastronomia, o roteiro escrito pelo próprio diretor vietnamita Anh Hung Tran se utiliza de longos preparos na cozinha e da reação dos personagens ao que vai aos pratos para destrinchara profunda cumplicidade entre Eugénie (Juliette Binoche) e Dodin (Benoît Magimel), parceiros de trabalho há 20 anos. Ao mesmo tempo em que dá para sentir o aroma dos pratos ao longo de todo o filme, também é possível compreender porque Eugénie e Dodin formam uma excelente dupla. Tudo acontece sem pressa alguma, com total economia nas palavras e uma sinestesia que pode até não ser para todos os paladares, mas que, por si só, já é o suficiente para que O Sabor da Vida mereça ser descoberto como essa preciosa forma encontrada pelo cinema para retratar mais uma vez a gastronomia.

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