Em Gramado #7: o ator e a autoria

Nelson Xavier é favorito absoluto ao Kikito de melhor ator por seu magnífico desempenho em A Despedida. Foto: Dani Villar/Pressphoto
Com Via Negromonte, Nelson Xavier encontrou o amor incondicional. “O melhor lugar para estar é nos braços da mulher amada. Ela é o grande amor da minha vida”, conta o ator. Foi vivendo esta paixão com sua esposa que ele, sem saber, já se preparava para viver o Almirante de A Despedida, filme protagonizado por ele e exibido na última sexta-feira (08) no 42º Festival de Cinema de Gramado. “Eu descobri essa preparação inconsciente só aqui, vendo o filme e a recepção das pessoas”, revela.
Em A Despedida, Nelson Xavier interpreta um homem que decide se despedir da vida e, à noite, passar os últimos momentos com a mulher amada, 55 anos mais nova, vivida por Juliana Paes. “As pessoas se convenceram com este romance de duas pessoas com mais de 50 anos de diferença. Como já conhecia o amor incondicional, tudo fluiu naturalmente e a diferença de idade não foi algo que me preocupou”, conta o ator.
Quando recebeu o roteiro do diretor Marcelo Galvão, o encantamento foi imediato. “Já na primeira leitura adorei a ideia. Um personagem como o Almirante é um prêmio por si só”, afirma Xavier. O protagonista do filme, que é inspirado na história do avô do próprio Galvão, está se despedindo da vida, mas o ator queria trazer uma abordagem diferente para a trama: “Para Almirante, não existe desespero. Minha ideia era mostrar a despedida de alguém que, antes de mais nada, é um apaixonado pela vida”.
Recentemente, Nelson Xavier também finalizou outro filme: Trash, dirigido pelo consagrado Stephen Daldry, que já trabalhou com atrizes como Meryl Streep e Nicole Kidman. Para ele, tanto Daldry quanto Marcelo Galvão são diretores que sabem o que querem. “É raro encontrar hoje em dia diretores que saibam conduzir atores. Eles podem até saber o que querem, mas não sabem conduzir”, aponta o ator. Segundo ele, o convívio com Galvão durante as filmagens de A Despedida foi repleto de sensibilidade. O ciclo do filme ainda foi pontuado por uma grande certeza após a exibição na tela do Palácio dos Festivais: a de que a equipe “fez um bom trabalho, e não apenas algo audiovisual, mas sim cinema de verdade”.
A paixão por cinema veio com os filmes mudos. Depois, com grandes cineastas como Akira Kurosawa e Ingmar Bergman. No cinema brasileiro, “Terra em Transe” é citado pelo ator como uma produção eterna. Hoje, desbrava os filmes iranianos e romenos. Mas, mesmo com a bagagem de mais de 50 filmes no currículo, Xavier diz não ter pretensões e que o ator deve ser o responsável pela criação. “Para mim, não existe isso de querer viver tal personagem. A história e o diretor são apenas o ponto de partida. O ator precisa assumir a autoria”, comenta. Por falar em autoria, ele está atualmente finalizando o roteiro de um filme que se passa em idas e vindas no tempo entre 40 anos que separam uma história da ditadura e seus reflexos até os dias de hoje.
A passagem de Nelson Xavier por Gramado já é tradição. Ele participa do evento desde as suas primeiras edições e fez questão de permanecer na cidade para a acompanhar a programação de perto. “Esta é uma cidade encantadora e o Festival é um dos maiores do Brasil. Sou um cinéfilo e estou acompanhando todos os filmes que posso. O cinema é uma coisa maravilhosa!”, celebra o ator, cuja autoria está sempre presente em seus trabalhos.
* matéria produzida originalmente como material de divulgação para a assessoria de imprensa do 42º Festival de Cinema de Gramado
Em Gramado #6: quando o cinema se completa

O jornalista Carlos Eduardo Lourenço Jorge coordena os debates do Festival de Cinema de Gramado há 24 anos. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto
Um filme só termina o seu ciclo quando chega ao público. Também se torna mais rico e completo quando é discutido pelas plateias. Por isso, nada é mais necessário em um festival de cinema do que os debates após as sessões. Em Gramado, estes encontros matinais já são uma tradição, com um coordenador que exerce o ofício desde 1990: o jornalista Carlos Eduardo Lourenço Jorge. Ele esteve no evento pela primeira vez em 1975 e o destino conspirou a seu favor: “Vim na loucura, sem saber nada. Foram três ônibus desde Londrina para chegar neste Festival que na época ainda era apenas uma mostra. Chegando aqui, encontrei o meu anjo da guarda: Hélio Nascimento, que me orientou em relação a todo o Festival”.
A partir daí, o jornalista começou a sua cobertura ininterrupta em Gramado. Em 1984, fez parte do júri oficial, e já quatro anos depois recebeu o convite de Ivo Stigger, o coordenador de debates até então, para auxiliá-lo nos encontros – “até o dia em que fui abandonado”, brinca Lourenço Jorge. Assumindo integralmente a coordenação dos debates de Gramado, o jornalista, com o passar dos anos, também viajou mundialmente. Entre coberturas de Cannes e Veneza, o que viu lá fora não trouxe qualquer intimidação. “Viajando e observando outros debates, me senti orgulhoso do trabalho aqui. Excetuando o nível sócio-político de cada país, o interesse por cinema era igual”. Ele ainda afirma que os debates também são semelhantes com os de Gramado, com suas particulares parcelas de acertos e “apertos”.
Desbravando várias edições de debates no Festival, Carlos Eduardo Lourenço Jorge diz que os encontros mais tensos e calorosos aconteceram durante a ditadura. “Certamente o contexto político interfere a discussão do cinema. Gramado sempre foi um festival combativo e a imprensa gaúcha feroz, o que mexia com uma geração que proibia filmes e trazia polícia para os debates”, comenta. Outro ponto marcante para estes encontros em Gramado foi a entrada do cinema latino em 1992. “Eles são um exemplo para nós. Ótimos, articulados e mais abertos a críticas, vieram para enriquecer o Festival de Cinema de Gramado”, afirma.
Carlos Eduardo Lourenço Jorge está nos “dois lados do balcão”. Ao mesmo tempo em que comemora 24 anos de coordenação de debates, continua a atuar como crítico de cinema – hoje no Jornal de Londrina. Atuar nos diferentes cargos ajuda o jornalista. “Não escrevo uma crítica antes de um debate. Não vejo o filme de forma diferente, mas os encontros ajudam a enriquecer meu texto, pois as afirmações dos realizadores justificam e polemizam determinadas opiniões que tenho das obras”, comenta.
O cenário da crítica de cinema vem mudando com a internet, e Lourenço Jorge diz que esta mudança vem para ficar: “É irreversível. Espaço é crucial para um jornalista e, com o impresso estrangulando cada vez mais os textos, esta plataforma se torna ainda mais interessante”. Mas mesmo com a multiplicidade de espaços, Carlos Eduardo Lourenço Jorge fez questão de deixar um pedido: que o público compareça mais os debates. O cinema agradece.
* matéria produzida originalmente como material de divulgação para a assessoria de imprensa do 42º Festival de Cinema de Gramado
Em Gramado #5: a magia infantil de O Segredo dos Diamantes

O jovem trio protagonista de O Segredo dos Diamantes, novo trabalho do cineasta Helvécio Ratton. Foto: Igor Pires/Pressphoto
Era grande a minha curiosidade para conferir O Segredo dos Diamantes, novo longa de Helvécio Ratton, diretor que marcou a minha infância com a adaptação cinematográfica de O Menino Maluquinho. Afinal, por que o trio de curadores do Festival de Cinema de Gramado colocou um filme infantil na competição? Mas nem bem O Segredo dos Diamantes coloca seus créditos iniciais na tela ao som de uma música-tema composta originalmente pela banda Skank e já dá para descobrir as razões: Helvécio Ratton não perdeu a mão neste tipo de história e o filme pode muito bem estar destinado a se tornar um grande sucesso de público quando ganhar o circuito comercial em dezembro – e é raro encontrar hoje em dia boa bilheteria por merecimento (o que deverá ser o caso desse).
Não se restringe a uma viagem no tempo esta encantadora aventura que faz o espectador sair da sala de cinema com a alma leve. Aos que não se desarmam e não voltam a ser crianças no longa de Ratton, alguns aspectos facilmente se destacam para além disso, como a bem elaborada trilha sonora composta por André Baptista, a desenvoltura do jovem trio de protagonistas, a fotografia de Lauro Escorel e, claro, a sensibilidade de Ratton para unir tudo isso como uma irresistível aventura para o público infanto-juvenil. Curiosamente, o filme, que tem como história a saga de um garoto que deseja encontrar procurados diamantes para salvar a vida do pai foi exibido, justamente, no dia dos pais! Sincero, envolvente e carinhoso, O Segredo dos Diamantes é mais uma surpresa bastante digna da seleção deste ano.
Depois da sessão, foram revelados os vencedores da Mostra Gaúcha – Prêmio Assembleia Legislativa, que faz uma seleção da mais recente safra de curtas realizados no Rio Grande do Sul. Curioso como criticaram a polarização de vitórias entre Domingo de Marta e Linda, Uma História Horrível, os únicos dois filmes premiados pelo júri oficial. Ouvi muitos comentários de que alguns realizadores teriam se incomodado com essa atenção exclusiva aos dois filmes. Mas, se as produções são dignas, o que fazer? Muito pior é ter uma lista com filmes ganhando por caridade e não por merecimento.
Talvez algumas escolhas pudessem ter sido diferentes (particularmente, teria premiado Samuel Reginatto como melhor ator por Caçador, um filme solo que dá a chance do jovem fazer algo minucioso e crescente), mas, no geral, não há nada de absurdo na lista. Sou fã de Domingo de Marta, um dos mais belos filmes exibidos entre todas as mostras até agora, sobre uma senhora de mais de 90 anos que espera a família para um almoço de domingo. É sensível, imersivo e verdadeiro o resultado, cujo roteiro não tem um diálogo sequer. Mereceu tudo o que levou. Na época do Festival CLOSE já havia comentado sobre o delicado tema de Linda (a falta de comunicação e aceitação entre uma mãe e um filho gay) e como gosto do filme. É bem provável que tenha levado mais do que merecia, mas estava entre os melhores da mostra.
Confira os vencedores:
MELHOR FILME: Domingo de Marta
MELHOR DIREÇÃO: Gabriela Bervian (Domingo de Marta)
MELHOR ROTEIRO: Domingo de Marta
MELHOR FOTOGRAFIA: Domingo de Marta
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE: Linda, Uma História Horrível
MELHOR MÚSICA: “Redoma”, de Filipe Catto, por Linda, Uma História Horrível
MELHOR MONTAGEM: Domingo de Marta
MELHOR EDIÇÃO DE SOM: Domingo de Marta
MELHOR PRODUTOR: Jéssica Luz, Bibiana Osório, Bruno Gularte Barreto, por Linda, Uma História Horrível
MELHOR ATOR: Rafael Régoli (Linda, Uma História Horrível)
MELHOR ATRIZ: Sandra Dani (Linda, Uma História Horrível)
PRÊMIO AQUISIÇÃO TVE: Sioma – O Papel da Fotografia
PRÊMIO EXIBIÇÃO CURTAS GAÚCHOS RBSTV: Sioma – O Papel da Fotografia
Em Gramado #4: o que realmente importa em Rodrigo Santoro?

Rodrigo Santoro veio a Gramado para ser homenageado por sua contribuição ao cinema nacional, mas acabou falando quase apenas sobre sua carreira no exterior. Foto: Cleiton Thiele/Pressphoto
Durante o sábado (09), um nome reinou em Gramado: Rodrigo Santoro. Homenageado com o troféu Cidade de Gramado, o ator é um dos grandes nomes do nosso cinema – e vale lembrar que sua era pré-Hollywood foi repleta de clássicos contemporâneos como Bicho de Sete Cabeças e Abril Despedaçado. De certa forma, o ator ficou no limbo lá fora (não virou galã mas também não se consolidou artisticamente), mas volta e meia surpreende no Brasil, sendo Heleno o caso mais recente, onde arrasa como o tempestuoso jogador Heleno de Freitas do Botafogo.
A homenagem ao ator é, sem dúvida, inquestionável e sua chegada à serra gaúcha foi pauta durante todo o dia entre público e imprensa. Santoro veio, deu coletiva antes de receber a distinção e causou a maior exaltação vista até agora no Festival, mas, para o autor que vos fala, a decepção de sua passagem foi quase grande. Sou fã do ator – inclusive, sua interpretação em Heleno foi a minha favorita naquele ano -, mas a vinda dele a Gramado me desapontou por diversas razões. Reservado e quase preso a uma mesma expressão durante todo o tempo, ele, na coletiva, disse muito mas comunicou pouco. Só que talvez isso passe por outra questão que quero discutir um pouco abaixo, além das minhas impressões de cidadão comum em relação a sua simpatia ou outros tópicos.
O fato é que um homenageado/entrevistado segue, pelo menos em uma entrevista, o que lhe é perguntado. Passando por aí, a imprensa insiste em abordar o trabalho de Santoro no exterior, a questão da idade (ano que vem ele chega aos 40 anos) e a sua fama de galã. Mas o que realmente importa – a sua relevância para o cinema brasileiro – é tema de poucas pautas. Por isso, o auge da passagem de Santoro foi quando, por breves momentos, contou histórias que viveu com outros atores respeitáveis de nosso cinema (José Dumont, Gero Camilo, José Wilker) e suas experiências realmente cinematográficas – e o momento em que ele carinhosamente relembrou quando aprendeu a confiar em um diretor, logo em seu primeiro trabalho com Laís Bodanzky no poderoso Bicho de Sete Cabeças, foi pra lá de especial.
De resto, é muito tempo perdido com respostas sobre contratos com a HBO, participações em Lost e relações com agentes do exterior. É aqui que Rodrigo Santoro se fez. O que ele realizou lá fora obviamente conta, mas tudo o que produziu de melhor está aqui. Quando subiu ao palco do Palácio dos Festivais para receber o troféu Cidade de Gramado – aplaudido timidamente (mais uma vez) por uma plateia inexplicavelmente econômica em reações ao que acontece no palco – disse que já viveu muito. Chorou mais uma vez e disse que o glamour não conta nada, e o que faz valer a pena a vida de um ator é um reconhecimento como aquele. Espero que secretamente ele tenha dito que um Heleno de Freitas vale muito mais do que um rei Xerxes.
Quanto aos filmes, o cansaço me impediu de acompanhar a sessão dupla. E os filmes também não me seduziam: duas obras passadas em diferentes guerras. A Estrada 47, de Vicente Ferraz, e Os Senhores da Guerra, do diretor especialista em épicos gaúchos Tabajara Ruas, podem esperar um outro momento. Pelo menos assim ganho mais um tempinho para continuar administrando tudo o que o belíssimo A Despedida me passou. Que filme!
Em Gramado #3: extremos de cinema

Nelson Xavier e Juliana Paes são os protagonistas de A Despedida, desde já o filme a ser batido no 42º Festival de Cinema de Gramado. Foto: Edison Vara/Pressphoto
A primeira noite do 42º Festival de Cinema de Gramado começou com diversos extremos, especialmente dentro da sala de cinema. Se Bruno Gagliasso e Regiane Alves não foram páreos para o furacão de beleza e simpatia de Juliana Paes no tapete vermelho, o mesmo pode ser dito sobre seus respectivos filmes. Isolados, o longa de abertura, não é o que podemos considerar um desastre, mas é o exemplar que reúne as maiores obviedades de um filme do gênero. A premissa por si só já é repleta de clichês: o psiquiatra que se apaixona pela paciente e que, tentando curá-la, resolve passar uma temporada em uma casa no meio do mato onde vem acontecendo uma série de assassinatos.
Os problemas de Isolados estão por todos os cantos. Tomás Portella, que já foi assistente de direção de nomes como Fernando Meirelles e Guel Arraes, apresenta uma direção que frequentemente cai nas armadilhas mais tradicionais deste estilo de história. Fora os sustos fáceis, os flashbacks para mastigar as peças se encaixando e a forçada reviravolta final (que até seria interessante 15 anos atrás), o longa também exagera na trilha sonora – um problema mais do que corriqueiro no cinema brasileiro -, e em momento algum é ajudado pelo fraquíssimo roteiro de Mariana Vielmond, filha de José Wilker. O saudoso ator, por sinal, tem apenas uma ponta no filme – o que impossibilita até que Isolados seja um filme afetuoso no sentido de despedida.
Por falar em despedida, o evento já teve o seu primeiro grande filme. Dirigido por Marcelo Galvão, A Despedida é simplesmente superlativo e, desde já, o título a ser batido pelos próximos concorrentes. Muito mais do que a total entrega de Nelson Xavier (aqui perfeito e em sua melhor forma) e a total desglamourização de Juliana Paes (em desempenho surpreendente), o filme de Galvão é tristíssimo ao mostrar as verdades do envelhecimento, mas ao mesmo tempo revigorante sem forçar a barra. E o melhor de tudo: se, nos primeiros momentos, a relação de Almirante (Xavier) com Fátima (Paes) dava indícios de que poderia soar implausível devido a diferença de 55 anos de idade entre eles, logo tudo vai por água abaixo quando os dois contracenam. É impossível questionar o relacionamento dos dois tamanha a sintonia dos atores.
Ou seja, se muitos torceram o nariz para Colegas, o último trabalho do diretor, não há como se distanciar de A Despedida. É impressionante a forma como o filme é ao mesmo tempo simples e inventivo em seus mínimos detalhes. Os momentos iniciais são um assombro em termos de direção. Nada aqui se sobrepõe e A Despedida é, de fato, um filme de equipe. Há tempo para se impressionar separadamente com Xavier e Paes, para se divertir e se emocionar com as inúmeras passagens genuinamente reflexivas (“se a aparência explicasse a essência, o sabor não era necessário”) e para, ao final de tudo, refletir sobre a nossa impotência perante a finitude que a vida nos impõe dia a dia. Bravo!