
Eva Victor dirige, escreve e protagoniza Sorry, Baby.
AVATAR: FOGO E CINZAS (Avatar: Fire and Ash, 2025, de James Cameron): Ninguém duvida de que Avatar marcou época e promoveu inúmeras revoluções tecnológicas. Contudo, passados 16 anos desde o lançamento do primeiro filme, a impressão é de que, para o bem e para o mal, estamos falando as mesmas coisas sobre a franquia. Trata-se de algo positivo considerando a verve sempre inquieta de Cameron para criar os grandes espetáculos que hoje Hollywood parece incapaz de produzir, mas também de algo negativo, visto que roteiro nunca foi o forte do diretor — e tanto tempo dedicado a um mesmo universo só reforça essa tese. Em termos de história propriamente dita, as quase dez horas somadas de Avatar soam redundantes, muito mais agora em Fogo e Cinzas, que, por ser o terceiro capítulo, invariavelmente sofre com a ausência de novas ideias. É exaustivo, por exemplo, que tenhamos passado quase duas décadas com um antagonista — o coronel Quaritch, vivido por Stephen Lang — perseguindo o herói Jake Sully (Sam Worthington) de todos os jeitos possíveis, quando ele poderia ter facilmente saído de cena no segundo filme. Ao mesmo tempo em que introduz algumas novidades, como a entrada de outra vilã que traz uma ótima nuance para o mundo dos Na’vi, Fogo e Cinzas segue repetindo os discursos anticolonialistas já tão solidificados nos longas anteriores, assim como somente amplia a escala de sequências de ação muito similares entre os três volumes da saga. Nunca vi nenhum Avatar em casa, apenas nas salas de cinema, o que me deixa com a pulga atrás da orelha: será que, à parte a grandiosidade técnica e estética que vemos na tela grande, a trilogia formada até aqui sustenta parte de sua magia fora no sofá de casa? Ao contrário de outros trabalhos de Cameron, Avatar não me estimula tanto a uma revisão. Mau sinal?
O FILHO DE MIL HOMENS (idem, 2025, de Daniel Rezende): Outrora exímio montador de filmes como Cidade de Deus, Diários de Motocicleta e Tropa de Elite, o paulista Daniel Rezende agora vem se firmando como um dos diretores brasileiros mais inspirados em atividade. Da irreverência de Bingo: O Rei das Manhãs à sofisticada doçura das duas adaptações de Turma da Mônica, ele navega em diferentes gêneros com o mesmo interesse e afinco. Ele não escapa à regra com O Filho de Mil Homens, em que se lança na complicada missão de levar às telas a literatura bela e poética de Valter Hugo Mãe. Falo em desafio porque a narrativa do autor é muito particular, seja na forma ou no conteúdo, e traduzir em imagens suas reticentes reflexões exige grande sensibilidade. Pois Daniel Rezende acerta outra vez, construindo um longa reverente à obra original, mas, ao mesmo tempo, livre para fazer suas próprias escolhas, inclusive do ponto de vista estético, já que esse se trata de seu trabalho mais apurado tecnicamente. Apesar de começar centrado no calado pescador vivido por Rodrigo Santoro, O Filho de Mil Homens se ramifica em outros personagens com o intuito de, eventualmente, entrelaçá-los e, assim, falar sobre a vida de figuras vistas aos olhos da sociedade como desajustadas, pecaminosas ou problemáticas. Em que pese os dramas genuínos e palpáveis de cada um deles, é a partir do momento em que suas histórias se cruzam que o filme fica ainda mais bonito, afinal, a generosidade é uma das maiores qualidades que qualquer ser humano pode ter hoje em dia. No acolhimento e na compreensão, o longa acentua a delicadeza do texto de Valter Hugo Mãe, e o faz sem ceder a convenções comerciais, evitando que o longa, produzido originalmente pela Netflix, flerte com mensagens rasteiras de autoajuda. O Filho de Mil Homens é bonito de ver e de sentir, além de acenar a todo momento para a literatura com os pés firmes no cinema.
SORRY, BABY (idem, 2025, de Eva Victor): A atriz, diretora e roteirista Eva Victor faz pelo menos duas coisas milagrosas em Sorry, Baby. A primeira é navegar nas diferentes fases de um trauma profundo com sobriedade, economia e até mesmo humor, sem perder de vista o pulso de uma história encenada em diferentes anos na vida da protagonista. Já a segunda é a maturidade que Victor, alcança como uma realizadora de apenas 31 anos. Em momento algum, ela faz de seu trabalho uma egotrip, nunca deslumbrada com as diferentes possibilidades da história, sejam elas dramáticas ou cômicas. É um feito e tanto para uma cineasta que entrega o seu primeiro longa-metragem e que, a cada minuto dele, prova seu lugar de fala e a maturidade envolvida na construção do roteiro. Gosto, particularmente, da concepção da protagonista, uma acadêmica com senso de humor muito próprio e com plena consciência de que ela não tem as respostas certas para lidar com o que lhe assombra — e será mesmo que elas existem em experiências traumáticas? Aí está outro aspecto fascinante de Sorry, Baby: por meio de Agnes, Eva Victor mostra que cada história é uma história e que, nesta vida, nós administramos as dores a partir do que temos de repertórios ou (in)capacidades. Nada falta ou sobra também em termos de interpretação, visto que é fácil nos solidarizarmos com Agnes e ficarmos do seu lado seja qual for a sua reação diante do que lhe aconteceu. Concentrando-se no peso do dia-a-dia, assim como nos momentos e nas relações que revigoram o passar do tempo, o filme conversa com o espectador da forma mais orgânica possível, o que só enfatiza a grata surpresa que é conhecer uma contadora de histórias tão sagaz e sensível.
WICKED: PARTE 2 (Wicked: For Good, 2025, de Jon M. Chu): Os aficionados pelo espetáculo original defendem a tese de que, nos palcos, Wicked já tem um segundo ato menos interessante do que o primeiro e que, portanto, não é nenhuma surpresa o fato da versão cinematográfica também ficar aquém do esperado. Bobagem. Adaptações também servem para propor novos olhares e leituras, assim como para mitigar escolhas não tão bem sucedidas. O que falta mesmo a Wicked é um diretor inspirado. A primeira parte, levada às telas com a mesma criatividade técnica e artística que qualquer outra aventura banalíssima da Marvel ou da DC, conseguia ser um entretenimento agradável muito em função de Cynthia Erivo e Ariana Grande, cujo frescor elevava o resultado junto às boas canções, culminando na clássica “Defying Gravity”. Por outro lado, Wicked: Parte 2, rodado simultaneamente com o primeiro filme, apenas deixa evidente a falta de um bom contador de histórias atrás das câmeras. Ao ter comandado os dois longas em um mesmo período, Jon M. Chu de fato concebe a parte 2 como apenas uma extensão da parte 1, sem elaborar absolutamente nada de novo. Não há um elemento ou uma identidade que dê qualquer tipo de vida própria à continuação. Nem mesmo a dupla protagonista, antes tão cintilante, consegue dar algum brilho ao material. De fato, a história decai na reta final, tanto do ponto de vista narrativo quanto musical, e o ritmo oscila entre o arrastado e acelerado, mas, quando os envolvidos não se esforçam para entregar algo minimamente novo, não há mesmo o que ser feito, muito menos quando decisões mercadológicas se impõem e já sugerem a produção de novas obras ambientadas no universo de Wicked.