Rapidamente: “Casa de Dinamite”, “Os Roses”, “Salve Rosa” e “A Vizinha Perfeita”

A Vizinha Perfeita venceu o prêmio de melhor direção em documentário no último Festival de Sundance e o Critics’ Choice Awards em cinco categorias do gênero.

CASA DE DINAMITE (A House of Dynamite, 2025, de Kathryn Bigelow): O poeta americano W. H. Auden escreveu que o prazer é o guia crítico menos falível de todos, o que explica minha relação com Casa de Dinamite, um filme de várias fragilidades, mas que, em última instância, conseguiu me deixar grudado nele do início ao fim. Trata-se do mais novo trabalho de Kathryn Bigelow cujo cinema, no geral, nunca chegou a me causar maiores comoções, e que agora assina a sua obra mais comercial, mesmo sem abandonar o estilo que lhe rendeu, inclusive, o primeiro Oscar de direção entregue a uma mulher com Guerra ao Terror. A diferença é que as discussões geopolíticas dão espaço muito mais amplo ao thriller e ao suspense, o que serve bem ao resultado de Casa de Dinamite, longa estruturado em três capítulos que mostram diferentes perspectivas para um mesmo espaço de tempo — no caso, os curtíssimos minutos quando o serviço de inteligência dos Estados Unidos percebe que está prestes a sofrer um misterioso ataque nuclear. Ninguém sabe de onde vem ou quem exatamente ordenou o movimento, restando apenas uma contagem regressiva das mais nervosas em que autoridades precisam tomar uma decisão, seja ela qual for. O primeiro ato é magnífico na construção da tensão, enquanto o segundo se sai admiravelmente bem ao manter a tração diante da reencenação dos fatos — e é aí que Bigelow imprime com destreza seu olhar quase documental em prol da imersão. Já o terceiro, centrado no personagem de Idris Elba, falha em praticamente todos os aspectos, da conclusão que não tem a devida pungência na falta proposital de respostas à própria ausência de atmosfera, onde fica evidente, por exemplo, o trabalho surpreendentemente preguiçoso de Volker Bertelmann em uma trilha sonora que parece apenas um copia-e-cola de seu trabalho em Conclave. Ainda assim, tal frustração não foi o suficiente para abalar a minha impressão positiva de Casa de Dinamite, que acompanhei com bastante interesse — e, portanto, com o guia crítico menos falível proposto por W.H. Auden.

OS ROSES: ATÉ QUE A MORTE OS SEPARE (The Roses, 2025, de Jay Roach): Com Olivia Colman e Benedict Cumberbatch nos papéis principais, Os Roses: Até Que a Morte os Separa é uma refilmagem de A Guerra dos Roses, comédia de 1989 estrelada por Michael Douglas, Kathleen Turner e Danny DeVito, que, por sua vez, é baseado no romance homônimo de Warren Adler. Há atualizações que justificam esse retorno ao clássico, vingativo e venenoso embate de um casal diante de um complicado divórcio, como o enfoque dado à mediocridade e à masculinidade frágil de um pai de família que, repentinamente, deixa de ser o provedor da família e se vê às voltas com o desmoronamento da própria carreira. Já a mulher, antes uma cozinheira que abandonou a profissão para cuidar dos filhos, volta para a gastronomia com imenso êxito e sucesso, o que passa a acentuar uma série de conflitos no então pacífico matrimônio. Atento aos novos tempos, o roteiro escrito por Tony McNamara (A Favorita, Pobres Criaturas) transita com bom humor pelos meandros de um mundo em que os homens ainda têm imensa dificuldade em admitir fracassos e fragilidades — especialmente quando em contraste com gloriosos protagonismos femininos. Ao propor leituras como essa, Os Roses escapa de ser uma mera refilmagem caça-níquel, como já vemos aos montes no cinema norte-americano, e entrega divertidas observações sobre matrimônios que acabam ruindo mais por questões individuais de cada parceiro do que pelo casamento propriamente dito. Acontece que, tratando-se de um remake, é inevitável a expectativa em torno de como serão reproduzidos os elementos que consagraram a obra original, coisa que Os Roses até trabalha em seus materiais promocionais, mas falha em entregar na tela: a explosiva guerra do filme original e suprimida do título atual fica restrita a uma mínima fatia dos 121 minutos de duração e, quando entregue, soa como um clímax apressado, protocolar e pouco convincente mesmo dentro do espectro cômico construído até ali. O que era para ser o grande deleite de Os Roses acaba por ser, na verdade, uma inesperada frustração.  

SALVE ROSA (idem, 2025, de Susanna Lira): Comecei gostando do tom camp e artificial empregado a tudo — dos cenários perfeitinhos e coloridos em que Rosa (Klara Castanho) grava seus vídeos para a internet ao modo comercial de margarina com que Dora (Karine Teles) cria a filha, tudo parece perfeito demais para ser verdade, sinal desses nossos tempos cada vez mais obcecados com a aparência e com o olhar dos outros. A atmosfera se dissipa quando Salve Rosa revela a intenção de ser um The Act brasileiro, mas sem a mesma potência e criatividade da perturbadora minissérie estrelada por Joey King e Patricia Arquette. Não é apenas questão de propostas similares: na realidade, todo o desenvolvimento do roteiro escrito por Ângela Hirata Fabri dá a impressão de ser uma mera transposição da bem-sucedida produção estadunidense – que, por sua vez, adapta uma terrível história verídica. Ou seja, se você já viu The Act, automaticamente, você já viu Salve Rosa, cujo título, a certa altura, também já antecipa mais do que deveria para qualquer espectador atento. Outro problema é o filme estar tão empenhado em fazer uma denúncia, como se a exposição do problema central — no caso, os atos no mínimo criminosos de uma mãe que não quer perder os privilégios trazidos pela vida famosa da filha na internet – ditasse o funcionamento de tudo, seja ele do encadeamento dos fatos até o próprio tom das interpretações orbitantes às protagonistas. O terceiro ato, em particular, carimba a falta de sutilezas e de um olhar mais complexo para a confecção da dramaturgia. É nele que Salve Rosa, precisando dar vazão às catarses e resoluções inerentes a um thriller, corre rápido demais rumo à mensagem que deseja passar, sem se preocupar exatamente com a verossimilhança dos acontecimentos. A esta altura, Klara Castanho (vencedora do prêmio de melhor atriz no último Festival do Rio por sua performance) e Karine Teles estão meio que por elas próprias, carregando, cada uma à sua maneira, o interesse que, infelizmente, Salve Rosa desperta ao início, mas perde pouco a pouco ao longo do caminho.

A VIZINHA PERFEITA (The Perfect Neighbor, 2025, de Geeta Gandbhir): Ganhou o prêmio de melhor direção na mostra de documentários do último Festival de Sundance, além de ter vencido as categorias de melhor documentário, direção, montagem, documentário de arquivo e true crime da edição do Critics’ Choice Awards dedicada ao gênero. Todos os reconhecimentos são merecidos para este filme impactante de Geeta Gandbhir sobre o homicídio de Ajike Owens, morta pela vizinha Susan Loricz em 2023 após uma série de disputas envolvendo um grupo de crianças que brincava nas redondezas da vizinhança. Cerca de 90% do que se vê em A Vizinha Perfeita é constituído de câmeras acopladas aos uniformes dos policiais ao longo de todo o conflito, o que traz uma eficiência angustiante ao resultado, uma vez que acompanhamos todo o desenrolar dos fatos como se de fato estivéssemos em campo com as autoridades. Com o mínimo de interferência em cima dos acontecimentos, o documentário examina as controvérsias envolvendo a lei conhecida como “Stand Your Ground” nos Estados Unidos, que, basicamente, legitima ataques até mesmo letais caso seja comprovada a defesa do que se entende como território físico de cada pessoa. Obviamente, a lei é mais uma porta de entrada para a perpetuação do racismo sistêmico, já que estatísticas comprovam que a população negra sempre é a mais penalizada na aplicação dos efeitos da Stand Your Ground, principalmente em casos como o de Ajike Owens e Susan Loricz, sem provas concretas do crime, apenas a palavra de uma pessoa sobre o ocorrido. São questões que lançam luz sobre tantas outras definidoras da sociedade estadunidense — o porte de armas, a violência urbana, a desigualdade social — e que A Vizinha Perfeita conduz sem sensacionalismo, mesmo tendo um lado muito bem definido sobre toda a situação. Condenada a 25 anos de prisão, Susan Loricz sempre alegou inocência, mas conclusões de sobra podem ser tiradas a partir do documentário sobre como ela encapsula a maneira elástica e relapsa com que os Estados Unidos administram leis tão suscetíveis a relativizar o caos e a letalidade.

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