52º Festival de Cinema de Gramado #8: “Cidade; Campo”, de Juliana Rojas

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Há exatos dez anos, a cineasta Juliana Rojas lançava o seu primeiro filme solo como diretora, após dividir o comando de Trabalhar Cansa com Marco Dutra e assinar a montagem de títulos como O Que Se Move, de Caetano Gotardo. A grata surpresa de seu voo individual se deu pela injeção de criatividade que é Sinfonia da Necrópole, um filme diferente de tudo que ela já havia feito em suas parcerias e como curta-metragista. Afinal, não é todo dia que vemos um musical ambientado em um cemitério, especialmente no Brasil. Daí a minha curiosidade para descobrir qual seria o seu próximo projeto pessoal, que acabou nascendo para o público agora, uma década depois, com “Cidade; Campo”, pelo qual recebeu o prêmio de melhor direção na seção Encounters do Festival de Berlim, criada para fomentar trabalhos ousados de cineastas independentes e inovadores.

Dessa vez, Rojas se volta ao drama, mas sem abandonar os toques sobrenaturais/fantasmagóricos que marcaram vários de seus trabalhos (As Boas Maneiras, que ela dirigiu ao lado de Marco Dutra, é outra pérola). Em Cidade; Campo, ela explora o feminino em dois capítulos, um protagonizado pela sempre excelente Fernanda Vianna, e outro por Mirella Façanha e Bruna Linzmeyer. Todas as personagens se veem um momento de transição em meio ao luto. No segmento da cidade, Joana (Vianna) se muda para São Paulo após perder na inundação da sua terra natal. Já na parte do campo, Flávia (Façanha) se muda com Mara (Linzmeyer) para a fazenda que herdou do pai, falecido recentemente. Como acontece com a grande maioria dos filmes episódicos, uma história funciona melhor do que outra, o que deixa uma sensação inevitável de descompasso.

A imersão no universo de Joana ganha em todos os aspectos. Há muita melancolia na histórias dessa personagem sem chão e que precisa reconstruir não só a parte prática da sua vida, desde ter onde morar até conseguir um novo emprego em outra cidade, mas também a afetiva — e é com o apoio da irmã e, principalmente, com a presença do sobrinho que ela encontrará acolhimento e afeto em meio aos escombros da sua vida. Fernanda Vianna, em mais uma grande interpretação, captura com sensibilidade o processo de luto de Joana, ao mesmo tempo em que pincela os novos despertares de uma mulher que perdeu suas referências e ainda está vinculada ao passado. A cena em que ela, descalça, procura a terra do canteiro para colocar os pés, relembrando sua vida no campo, é uma perfeita representação disso. A personagem também encapsula um tema sempre presente na filmografia de Rojas: o trabalho, visto aqui na luta de Joana para sobreviver ao capitalismo violento da “cidade do trabalho”

Já no segundo capítulo, a Flávia de Mirella Façanha assume o protagonismo. O seu luto está ancorado na perda recente do pai, que desperta diversas questões mal resolvidas da personagem com ele e com ela própria. Se o isolamento na fazenda traz a circunstância perfeita para que Cidade; Campo se dedique a um tom fantasmagórico, a abordagem um tanto desfocada deixa o resultado frequentemente truncado. Não sinto nesta segunda parte a mesma coesão da primeira, talvez porque o leque se abra demais, com outros conflitos envolvendo a busca de Flávia pela compreensão de sua ancestralidade e o relacionamento com Mara. Falta clareza para onde esse segmento do filme deseja ir, prejudicando o teor dramático e as eventuais experimentações que se fazem mais presentes.

Façanha e Linzmeyer estão ótimas, complementares em seus diferentes estilos de interpretação e certeiras na construção de um relacionamento que sempre soa íntimo e verdadeiro. A química entre as duas rende, inclusive, uma cena de sexo marcante para o cinema brasileiro, rompendo com as habituais representações da interação entre dois corpos. Juntas, elas tecem com esmero os símbolos de um relacionamento que resiste a opressões e vulnerabilidades. Flávia e Mara se aconchegam, como se fossem a casa uma da outra, o que é muito bonito. Mesmo diante dos problemas que tenho com a segunda história, essa acaba sendo a conexão que funciona para mim entre as duas partes de Cidade; Campo: o afeto como uma força de reconstrução e sobrevivência.

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