
Somente uma mulher aparece nos 90 minutos de Oeste Outra Vez. Ela não tem uma fala sequer e aparece por meros minutos na tela. Em tese, isso nunca é um aspecto positivo, mas, no caso do novo filme de Erico Rassi (Comeback, o canto de cisne do grande Nelson Xavier), trata-se de uma exceção. A tal mulher, ao ver dois homens brigando por ela, dá as costas e desaparece. Logo entendemos a razão: todas as figuras masculinas de Oeste Outra Vez são patéticas e decadentes, incapazes de entender a mulher como um ser humano e não um objeto ou propriedade. A briga que a faz desertar diz muito mais sobre a tolice de dois homens que precisam provar um para o outro a quem aquela mulher pertence do que sobre ela própria, que nem mesmo é levada em consideração no meio daquele embate. Não é difícil compreender a sua decisão de ir embora.
Povoado, portanto, por homens, Oeste Outra Vez é uma inteligente reflexão sobre as inabilidades masculinas e como eles utilizam a violência para extravasar ou resolver conflitos existenciais. Essa engrenagem é movida a partir do momento em que todos eles são abandonados, trocados — é melhor dizer que a companheira morreu do que admitir que ela foi embora, diz um dos personagens em certo ponto. Rassi não deseja humanizar homens no sentido de transformá-los em vítimas ou pobres coitados. Sua intenção é mostrar como o universo masculino age de forma medíocre diante de questões emocionais, especificamente no que tange os relacionamentos amorosos.
Se os homens costumam tratar mulheres como objetos — são vários os momentos em que eles as tratam como passíveis de serem “roubadas”, por exemplo —, a situação parece mudar de cenário quando eles se veem sem elas. Magoados e com o ego ferido, sacam armas, perseguem uns aos outros e dão socos e pontapés para recuperar o que perderam. Ou simplesmente atropelam uns aos outros no próprio dia a dia, em atividades tolas. É por isso que Oeste Outra Vez potencializa o feminino: antes tidas como propriedades ou dadas como certas, as mulheres passam a exercer imensa influência na vida dos homens quando decidem se ausentar. Fica escancarado o quanto todos os personagens não sabem caminhar com as próprias pernas e lidar com a solidão.
A reação ao desertar feminino leva os personagens a uma espécie de faroeste à la irmãos Coen, com perseguições, matadores de aluguel e uma violência seca, próxima à realidade e com o mínimo de interferências técnicas, coreografias ou malabarismos do gênero. A violência, ao invés de mostrar a força de cada um deles, acaba relevando apenas fraquezas. É mais fácil, por exemplo, se envolver em um emaranhado perigoso de perseguição do que sentar com um amigo para falar sobre suas angústias. E a cena em que um dos personagens acorda e diz querer conversar, mas não consegue sequer dizer sobre o quê, é a perfeita representação da inabilidade masculina de falar sobre seus dilemas internos.
Oeste Outra Vez se constrói assim: no não-diálogo e na insignificância desses homens que o filme observa com um tom crítico e de forma desprezível. O roteiro, escrito pelo próprio diretor, contribui para a ideia de que uma história se movimenta de outras formas para além dos diálogos. Verborragia não é necessariamente sinônimo de bom roteiro. Tantos silêncios usados para desenhar a inflexão dos personagens traz um desafio tremendo para a montagem, que precisar buscar cadência e coesão em gestos e ações, não em palavras. E os atores também merecem nota aqui por serem tão exitosos na construção das figuras que interpretam, com destaque mais do que especial para Rodger Rogério, que rouba a cena como o homem que não foi abandonado por nenhuma mulher — mas porque nunca se permitiu viver uma paixão, provando, mais uma vez, a conflitante relação masculina com sentimentos.
E Oeste Outra Vez não poderia terminar de forma melhor, com os versos da clássica canção “Tudo Passará”, de Nelson Ned, tocando em um bar com os personagens, solitários, jogando sinuca sem muito propósito e não economizando na cachaça: “Só se encontra a felicidade / Quando se entrega o coração”, coisa que nenhum dos homens do filme verdadeiramente faz — e que, por fim, revela a vida de pessoas que cavaram a desgraça do qual tanto tentam não se responsabilizar.
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