
Lançado em 2007, Estômago estreou de forma tímida, mas, aos poucos, conquistou público e crítica a ponto de ser alçado ao status de cult. Reconhecimento justo para um filme que, conforme o diretor Marcos Jorge descreve, transita entre o grotesco e o sublime (além, claro, de ter uma performance iluminada de João Miguel). Dezessete anos depois, Estômago 2: O Poderoso Chef chega carregado de expectativas diante de um sucesso plural reforçado pela chegada do longa no streaming em anos recentes. Os fãs do primeiro Estômago precisam ser avisados: a sequência não se assemelha em praticamente nada ao anterior, e essa mudança radical pode ser um verdadeiro divisor de águas na conexão com a trajetória do protagonista, o carismático chef Nonato.
Uma correção se faz necessária. Nonato, na realidade, não é mais protagonista de sua própria história, e eis aí o primeiro motivo que me distanciou da continuação. Gradativamente, o personagem de João Miguel se torna coadjuvante, ficando no meio de um fogo cruzado entre as figuras vividas por Nicola Siri e Paulo Miklos. E ele não só é reduzido a esse status de coadjuvante como também se descaracteriza em muitas facetas. Dessa vez, Nonato chega perto de se tornar um mero alívio cômico, o que elimina as chances de João Miguel, anteriormente ótimo no papel, ter grandes momentos em cena. Levando em consideração o desfecho, há ainda certas mudanças questionáveis no caráter do personagem, que termina o filme como se não pertencesse mais ao universo criado para essa sequência.
Quem o substitui no centro das atenções é o Don Caroglio de Nicola Siri, um mafioso italiano que chega ao presídio em que Nonato desfruta de uma posição privilegiada em função de seus dotes culinários. Ao chegar lá, Caroglio se depara com ele e o Etcetera de Paulo Miklos, detento cuja facção há muito tempo já controla as dinâmicas internas da prisão e que, de repente, vê sua influência ameaçada pela chegada do italiano. A partir dessa premissa, Estômago 2 se transforma em um filme assumidamente de máfia, com uma abordagem que foge do realismo e se permite brincar com a comédia, o suspense e os conflitos tradicionais de histórias ambientadas em presídios. Está certo que “Estômago”, tanto no primeiro quanto no segundo longa, se propõe a ser um exercício da relação entre culinária e poder, mas, dessa vez, apesar da presença constante da comida, a questão do poder policiais e mafiosos acaba sendo predominante demais.
Paralelo ao desenrolar da vida na cadeia, Estômago 2 volta à vida pregressa de Don Caroglio para mostrar, passo a passo, como ele chegou ao encarceramento. Infelizmente, é a parte menos interessante do filme e, à medida em que ocupa tanto espaço, prejudica o ritmo e a fluidez da trama. Não há nada de extraordinário na jornada desse personagem. Precisava tudo ser tanto sobre ele praticamente o tempo inteiro? É algo que não tem nada a ver com a performance de Nicola Siri, que defende bem o personagem e conduz com segurança o maior protagonismo da sua carreira no cinema brasileiro até aqui. Ao carregar o “2” no título, Estômago organicamente desperta a expectativa no espectador de que teremos novamente Nonato em sua plenitude, mas entrega outra coisa. Ousadia ou distorção?
Uma coprodução entre Brasil e Itália, inclusive na paridade de idiomas nos diálogos, o filme agora ganha status de superprodução, um contraste significativo com o primeiro, que era de dimensões muito menores e ideias mais concentradas. As grandes locações, os efeitos visuais e a logística de realizar gravações na Europa trazem ares comerciais à franquia (já existe um desenvolvimento de projeto para o terceiro filme), dialogando com as ambições de um roteiro que praticamente reseta o que vimos no longa original. Na premissa de tentar abarcar várias coisas, Estômago 2: O Poderoso Chef entrega muito pouco. Pode ser que parte dos espectadores veja tudo isso com a mesma percepção do diretor Marcos Jorge — ele defende a ideia de que as diversas transformações dessa sequência foram propositais, pensadas para desconcertar mesmo —, mas, no meu caso, o filme não bateu dessa forma — e o sabor que ficou foi o da decepção.
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