
E se vivêssemos em um país com papéis de gêneros invertidos? Em O Clube das Mulheres de Negócios, a diretora e roteirista Anna Muylaert imagina um Brasil em que as mulheres ocupam posição predominante, enquanto os homens são socialmente submissos e naturalmente vistos pela sociedade como seres inferiores apenas em função de seu sexo. A brincadeira esperada com os estereótipos acontece: há, por exemplo, garçons que servem as ricaças do título com shorts pequenos, evidenciando a objetificação do corpo sempre tão dirigidas às mulheres. Outras questões como assédio, infidelidade e política também permeiam a grande gama de personagens em cena. Entretanto, o ponto de inflexão que interessa Muylaert é o das relações de poder reveladas por essas situações e a maneira como, independentemente de gênero, uma sociedade toma os mesmos rumos quando construída em cima de pilares como a corrupção e a hipocrisia.
A reflexão sobre dinâmicas de controle já fazia parte do vocabulário desde Que Horas Ela Volta?, e agora ressurge com uma abordagem assumidamente cômica, distópica e até mesmo violenta. Não deixa de ser uma aposta tão ousada quanto arriscada, já que basta um errinho em toda a equação para que o resultado descambe para o caricatural ou se torne filme de uma piada só. Há altos e baixos em O Clube das Mulheres de Negócios nesse sentido. No geral, o longa estica o humor para além da conta, ainda que seja um tanto inevitável devido ao mosaico de numerosos personagens, todas elas representando algum estereótipo da sociedade (a candidata à presidência, a religiosa, a dona de fazendas, a armamentista, e por aí vai). Isso se deve ainda à própria maneira como a trama vai resolvendo o destino de cada uma delas. Depois de uma ou duas conclusões, é fácil supor a mensagem e o que aguarda as demais. Frente isso, tudo se resolve sem grandes surpresas.
Acontece que Muylaert tem dois grandes méritos que amortecem as eventuais fragilidades e tornam O Clube das Mulheres de Negócios uma boa diversão. Um deles é a disciplina do roteiro, capaz de alternar as personagens na medida, sem que alguma fique escanteada ou se sobressaia às demais. Trata-se de um filme coletivo, e a dosagem encontrada pelo roteiro valoriza o todo, tarefa quase sempre difícil para qualquer roteirista. E, é claro, a diretora conta com um elenco de primeira. Como ela própria definiu, estão em cena atrizes que marcaram grande programas humorísticos, da TV Pirata à Escolinha do Professor Raimundo. O grupo reunido em O Clube das Mulheres de Negócios tira de letra o desafio de não transformar as personagens em mera caricatura ao mesmo tempo em que trabalha alinhado ao roteiro no sentido de encontrar simetria no destaque para as atrizes.
Os “estranhos no ninho” — no caso, os homens — também se saem bem. Como as mulheres da vida real, Rafael Vitti e Luís Miranda são encarregados de transmitir a impotência e a incredulidade de duas figuras masculinas oprimidas, e dão conta do recado. Mas, novamente, O Clube das Mulheres de Negócios é sobre relações de poder e como elas historicamente contaminaram os homens e contaminariam as mulheres também. A moral da história é que dominar corrompe, e esse corrompimento é perigoso quando uma sociedade está disposta a se calar diante dele. Em um país que se normaliza ou se varre para debaixo do tapete comportamentos obscuros, sexistas, racistas e moralistas, a falta de ação também é uma ação. E, mesmo que o longa nem sempre acerte e que, por vezes, seja até óbvio em suas representações, ele não deixa de, na sua proposta de misturar o autoral e ares mais comerciais, fazer uma espécie de convite à compreensão para que busquemos, como sociedade, um luz ao fim do túnel.
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