Três atores, três filmes… com Gui Araponga

tresguiarapongaAo conferir A Página, curta-metragem rodado em 2015 pelo cineasta Gui Araponga, de apenas 19 anos, imediatamente identifiquei um diretor dedicado a depositar um grande em suas atrizes. Hoje, oito anos depois e já tendo sido selecionado para mais de 140 eventos nacionais e internacionais com seus trabalhos, Gui tira um tempinho para participar aqui da coluna e confirmar as minhas suspeitas: não só suas três escolhas são por atrizes como os comentários sobre o trabalho de cada uma delas sublinham um inegável afeto pela arte feminina de interpretar. Além das atuações citadas (todas elas também admiradas por mim), o Gui começa a participação com uma breve introdução para reverenciar outro trabalho já amplamente citado em mais de 60 edições da coluna e que, claro, merece ser reverenciado sempre que possível. Aproveitem!


Antes de começar a lista, destaco que, apesar de ser uma presença frequente nas listas de “Três atores, três filmes”, é imperativo mencionar o brilhante desempenho de Fernanda Montenegro em “Central do Brasil” ao discutirmos atuações que marcaram a história do cinema mundial. Conhecida por expressar emoções através de nuances faciais, gestos, silêncios e olhares, a atriz revela com sutileza as fragilidades, obscuridades e inseguranças de sua personagem. A manipulação magistral da voz e do tom de fala por parte de Montenegro merece reconhecimento. Ela não apenas interpreta Dora; ela a personifica de maneira autêntica, criando uma performance que transcende as palavras do roteiro. Seu talento para o improviso e a habilidade em transmitir emoções autênticas solidificam sua atuação como uma das mais memoráveis da história do cinema. Na minha visão, esta é uma performance exemplar do que significa o trabalho de um ator.

Dito isso, agora, sim, vamos para a lista:

Kathy Bates (Louca Obsessão)
No icônico papel de Annie Wilkes em Louca Obsessão, Kathy Bates destaca-se por sua habilidade singular em adentrar as profundezas da mente perturbadora de Annie. Utilizando um vasto arsenal de expressões faciais, ela constrói a complexidade da personagem, onde cada olhar e sorriso contido serve como indício da volatilidade que reside sob a aparente serenidade de Annie Wilkes. Sua capacidade de transmitir inseguranças e perigos com sutileza é verdadeiramente impressionante.

A manipulação vocal de Bates é um elemento magnético no enredo. Seu tom de voz oscila entre a doçura enganadora e explosões de raiva, criando uma atmosfera de constante tensão. A relação entre Annie Wilkes e Paul Sheldon, interpretado por James Caan, é um dueto tenso e magnético, acentuado pela química entre os dois atores. O reconhecimento com o Oscar de Melhor Atriz, BAFTA e Globo de Ouro em 1991 é um tributo ao trabalho de Kathy Bates. Sua exploração profunda da psicologia da personagem, a entrega autêntica de emoções e a habilidade de manter a audiência à beira do suspense solidificam sua atuação como uma das mais notáveis da história do cinema.

Charlotte Rampling (45 Anos)
A habilidade distintiva de Charlotte Rampling em 45 Anos reside em sua capacidade excepcional de expressar uma ampla gama de emoções com moderação. Seu rosto se torna um mapa da jornada emocional de Kate, onde cada olhar, silêncio e gesto carregam um significado profundo. A atriz utiliza uma linguagem não verbal excepcional para revelar as tensões e conflitos internos de sua personagem, destacando-se especialmente na cena final do filme, onde ela comunica “tudo” apenas com o olhar (magistral!). Rampling abraça a sutileza do roteiro de Andrew Haigh, permitindo que as emoções de sua personagem se desdobrem de maneira natural e realista. A profundidade da dor, arrependimento e autoconhecimento que Rampling incorpora à sua interpretação enriquece o retrato de uma mulher que confronta seu passado de maneira inesperada.

O ritmo lento e contemplativo do filme proporciona um ambiente propício para que a performance de Rampling brilhe, destacando sua habilidade de transmitir emoções profundas em momentos silenciosos. Sua escolha consciente de confiar na expressão facial e na linguagem corporal, em vez de diálogos expositivos, é um tour de force que ilustra sua maestria na arte da atuação. Sua habilidade em explorar as nuances emocionais de sua personagem solidifica sua posição como uma das atrizes mais talentosas da indústria cinematográfica contemporânea. Vale lembrar que, apesar de ter sido esnobada no Oscar, Rampling foi agraciada com o Urso de Ouro no Festival de Berlim e o prêmio César de Melhor Atriz pelo filme.

Cate Blanchett (Blue Jasmine)
Na minha opinião, apontar apenas um trabalho memorável de Cate Blanchett é desafiador, mas não há como negar que “Blue Jasmine” permanece como sua obra-prima. No filme dirigido por Woody Allen, Blanchett mergulha profundamente na complexidade emocional de sua personagem, proporcionando uma atuação que se destaca pela delicadeza e poder. A personagem enfrenta uma queda social abrupta, e Blanchett transmite essa transformação com intensidade, demonstrando um controle excepcional da expressão facial, gestos e postura corporal para transmitir a complexidade de uma mulher à deriva.

A habilidade de Blanchett em explorar as camadas emocionais da personagem é impressionante, captando com maestria a fragilidade emocional de Jasmine, uma mulher em conflito consigo mesma ao tentar conciliar sua realidade atual com as memórias de um passado mais glamouroso. A experiência proporciona um registro profundamente realista do colapso psicológico de Jasmine, tornando-a uma personagem memorável e complexa. Além disso, Blanchett retrata de maneira magistral a dimensão social de Jasmine. Seus maneirismos e elegância deteriorada são representados com maestria, destacando a luta da personagem para manter as aparências diante das adversidades. A química envolvente entre Blanchett e o elenco, especialmente nas cenas com Sally Hawkins, que interpreta a irmã de Jasmine, contribui para a autenticidade do filme. A dinâmica entre as duas atrizes enriquece a narrativa, proporcionando momentos de intensidade e profundidade emocional.

O reconhecimento da crítica, do público e os numerosos prêmios, incluindo o Oscar de Melhor Atriz, sublinham a excepcionalidade da performance de Cate Blanchett em “Blue Jasmine”. Sua interpretação não apenas eleva o filme a um patamar superior, mas também consolida seu lugar como uma das atrizes mais destacadas e versáteis da indústria cinematográfica.

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